segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sob as dobras do corpo

A amava, disse, mas faltava tesão. Magricela demais meu bem, minhas mãos ficam apalpando um vazio terrível, uma pedra de gelo nos meus braços, escorregadia. Falta carne, seios pequeninos demais, coxas finas, seca demais meu bem. Homem gosta de ter onde apertar, de morder os ombros carnudos, pegar com segurança nos seios, apalpar as coxas, dar alguns tapas obcenos no traseiro. Tem que comer mais, pára com essa idéia de ser magra, que gordura demais faz mal, mal é ser assim, esquelética.

Ela chorou inicialmente, nunca achara que ser magra estragaria o seu relacionamento, justo com o homem dos seus sonhos, o tal príncipe encantado, o famigerado homem da sua vida. Engoliu as lágrimas, respondeu-lhe que seguiria o conselho, prá quê alimentar sonhos de modelo? Já passara da idade, seus planos atuais incluiam uma faculdade e uma aliança, tanto faz se na mão direita ou esquerda, mas tinha que ter o nome dele gravado. Se para isso, teria de engordar, então o faria com gosto. Com o tempo se acostumaria com suas novas formas, quem sabe ficasse mesmo mais atraente, com mais carne, seios mais fartos?
E assim foi, 2 quilos, depois 4 quilos, 5...7....10... Olhava-se no espelho e ainda se achava esquelética. O namorado sumira, diziam os amigos que tivera que viajar a negócios. Ainda bem, pensou, quando voltar, ficará feliz com a surpresa. 15 quilos, 20, 25... O corpo já não comportara elegantemente seus 85 quilos, as curvas antes acentuadas e sinuosas, se tornaram um caminho perigoso aos viajantes. As calças apertadas mostravam com evidência o que lhe sobrara, os seios fartos explodiam nos sutiãs, as blusas sempre tão pequenas, a barriga tão grande, o bumbum uma massa homogênea de celulites e estrias. Mas estava magra, olhava-se no espelho com tristeza, ainda era para si, a mesma magricela sem carne que não conseguia atiçar o tesão de seu namorado. 30 quilos, 35, 40... Não se assustava com os 115 quilos que a balança lhe indicara, sorria para o espelho com uma coxa de frango assado entre os lábios, os amigos lhe diziam que ele voltaria em uma semana, foi promovido a diretor executivo, um carro do ano e importado, cobertura na região sul da cidade. Era a felicidade em pessoa ao se imaginar casada com ele.

125 quilos na tão esperada semana da volta. Estava vestida num microvestido tamanho GG, saltos grossos que tremiam e avisavam uma futura quebra, que seja uma equilibrista então, cuidado com os passos. Os cabelos longos, num penteado retrô, moda dos anos 80, as gordinhas que usavam-no com frequência atualmente. Ainda a magreza lhe incomodava, faltava-lhe carne, pensava. Não havia mais como engordar, tentara de tudo, e 125 quilos ainda lhe foram suficientes, era aquela coisa esquelética no espelho que ainda via. A cada passageiro que desembarcava no aeroporto, seu coração batia mais rápido, suas mãos procuravam desesperadamente alguma barra de chocolate perdida em sua bolsa, os pensamentos se confundiam entre a saudade, o medo e a fome. O último pensamento, mesmo sem nunca existir, era sempre a prioridade. Foi quando ele apareceu, de terno italiano, no mínimo; bronzeado, havaiano certamente; os cabelos loiros, coloração francesa. Trocaram os primeiros olhares, ela sorridente, lábios sujos de chocolate, braços abertos na esperança de que ele viesse ao seu encontro. Ele decepcionado, não acreditando que aquilo era a sua namorada, aquela gorda com a boca suja de chocolate, os braços abertos e as axilas manchadas. O que lhe acontecera? Seguiu adiante, com o fluxo, na esperança de que ela não o seguisse. Suas costas, seu passado. Suas fraquezas ficaram no calcanhar, apertado, nem Aquiles soltaria os nós que as prendiam.

Viu seu namorado, o famigerado homem da sua vida, indo embora após ignorá-la completamente. Prá quê gritar? Sair correndo atrás dele, um escândalo para ambos, ainda mais para ela, tão bela, mesmo magricela e desajeitada. E a sua auto estima, onde ficava? Sob as dobras de seu corpo? Engoliu as lágrimas, pegou algumas notas. Comeria mais algumas barras de chocolate da máquina ao seu lado. Se ele não gostava de magricelas, problema o dele. Homem gosta de carne, de ter onde pegar, ouvira antes. Estava fazendo a sua parte e obtivera sucesso. Mesmo magra, já tinha onde pegar.

13 comentários:

  1. OH GOD, o que foi isso!

    Mas homem gosta de ter o que pegar, mulher palito é pra palitar os dentes, e não pra comer. (ai, essa doeu :B)

    É isso aí, um grande viva(?) para as mulheres de 125 quilos!

    (viva)

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  2. essa aí só no papai e mamãe.

    mas eu ainda chamaria de meu amor. viva o whisky.

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  3. Não tem como não rir.
    O tiro saindo pela culatra. Mas se ela emgrecer, acho que eu a pego

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  4. HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
    Novo tipo de anorexia, cuidado

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  5. Hehehe! Engraçado, mas essa é uma lição básica em relacionamentos. Se você precisa mudar pra agradar quem está contigo, no mínimo tem algo de errado em você e certo em outro.

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  6. A Katrina não faz assim não, pois eu fico a chorar. Maldita sina que me fez acreditar que tudo tem um feliz. Maldita Katrina que fez esse encanto se quebrar. Mas nem por isso gosto menos de ti! Adoro aqui, pois os pseudos se permitem!!!

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  7. tem um final feliz*
    é a cerveja, deculpa!!!!

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  8. Hahaha gostei desse, a gordinha saiu feliz mesmo depois do bé na bunda.

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  9. hahahaha, eu tenho essa doença aí, pode ter certeza.

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  10. KATRINA QUE HORROR, eu devo ter disso, mas em menor proporção, eu penso "nossa sou uma orca filhote" ao invés de "nossa sou uma orca mestre".

    Que texto foda, não dá vontade de parar de ler, possibilidade de diversos acontecimentos, ai, que orgulho de você, você é buena demais. Sério, demais..

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  11. Cortázar faria essa mulher explodir e suas vísceras virariam coelhinhos. Mas você gosta mais da Hilst então o final ficou com uma resolução psicológica mais plausível porque mais inacreditável. Porque tudo no amor é inacreditável por ser novo a cada instante que o provamos.
    Gostei.

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  12. amei esta magricela que virou gordinha... se antes uma magricela sem personalidade a ponto de se detonar para satisfazer desejos de outro, agora era uma gordinha da gôta ... tomou o pé na bunda mas não se abalou ... mandou ver mais uma barra de choco ...

    bux

    ;-)

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