sábado, 12 de dezembro de 2009

Fala Entupida

"...angustia é fala entupida. ana c."


Preciso te dizer tudo. O que aconteceu. Não foi mero incidente. Isso pode ser uma carta, sim, mas assim não a chamo. Tem a pretensão de explicar, mas se alonga raivosa como uma dúvida. Porém. Não me submeto a um papel frágil, a uma letra rabiscada, não me submeto a falar tudo isso dentro dos seus olhos em brasa.

Eles sempre ficam, nós passamos assustados por debaixo dos traumas. Reconheço o que é fraco em mim, o que não sustenta o peso de uma lágrima que já veio em seus olhos. Com você foi diferente, bastou lhe pegar pelo braço e amaciar os cabelos. Dourados. Pele dourada sob os faróis. Isso não apaga, fica tatuado, preso na garganta. Você me disse quanto ficaria e eu disse para onde ir. Sabíamos do caminho. Mas nunca sabemos quando parar.

Vou lhe contar em segredo, soprar no seu ouvido já em pedaços nos lábios de outro, eu sei, mas deixo em seu corpo um traço para quando depois de tudo ainda se lembrar do que fui para você. Mesmo que vagamente. Confuso, eu sei, mas só acredita no que eu escrevo, porque não falo, não escancaro, não enxugo lágrimas de vagabunda. Calculo a altura de um teto em noite escura como se dali tirasse uma frase que resolvesse rápido. Não resolve. Só aprofunda.


Os anos passaram e houve um dia. Onde a fala entupia até explodir o peito. E o sangue jorrava do nariz. Sorria para os pombos como se ratos também não se rastejassem para ingerir. Podridão. Mas as pernas eram curtas demais e os braços tortos não agarravam. Beijava o ar para entender de solidão. E não entendia. Só quando rasgaram a primeira carta, definitiva, foi preciso engolir todas as palavras e soterrá-las junto com o pedaço de corpo podre no sótão.

À noite,

danço com demônios.

De dia,

visto a sua capa.


Rosto despedaçado, quando te vi, a peça que faltava era o beijo que nunca teve. Dois poços de silêncio afundados no banco do carro, olhávamos distraídos um do outro para dentro das luzes da cidade, feito em Taxi Driver, o lixo engolindo as ruas, transbordando dos bueiros, senti que precisava deixar isso para trás. Em você. E engolir de vez o seu corpo. Dessa vez, apodreceríamos de paixão.

Já longe dos bueiros, paramos na trilha do trem, o mato cobrindo a ferrugem e abafando os seus gritos. Não precisava tampar os olhos, tentar engolir os soluços. Chorou tentando fugir dos trilhos, eu precisava te puxar e dizer que o fim seria nos meus braços. Não foi. Você arrependida dos saltos, me disse o seu nome mostrando a identidade. Não mentiria para alguém que carrega Fernando Pessoa no banco detrás.

Elise. Não li o resto, bastava. Te dizer uma enxurrada de palavrões quanto o que você precisava era embebedar-se de amor em conta gotas? Eu achei. Eles te acham como uma carne sangrando no espeto dessas noites frias frízer de um sábado sem bolero. Então, me confundi entre flores e espinhos. Não sabia como agradar. Você disse que podia machucar, pisar com força, arranhar a sua pele que dela nada mais faria. Te golpeei com o meu silêncio. Rendida, no chão, pedia que eu a chupasse, que esmurrasse a sua cara vadia, quebrasse dente por dente, rasgasse os seus olhos com uma gilete. Mas não. Não mordo a casca quando o que me interessa é o sumo.

Ali no chão, na ferrugem daqueles trilhos, encontrei com os seus lábios agridoces e secos de contato. Senti que o seu beijo tinha gosto de passado, presente, de futuro. Naqueles trilhos. Rastejei para te ingerir. Densos quanto à nuvem que nos isolava do resto. Seus músculos descasavam dos malditos toques de todos os outros. Já acordada tentando puxar um filete de ar, assusta com fios do meu cabelo entre os seus dedos. Se arrasta, se afasta. Rala a pele nas pedras agudas e finge não lembrar das agulhas. Diz não estar bem, que fez besteira para o resto da vida. Que não poderia ser mais puta, que puta não beijava, não chorava na frente de cliente. Que não sabia o porquê estava explicando. Porque não entendia. E fugiu. Não conseguiria te prender, as suas asas eram fortes. Mais rápida do que chegou, logo desapareceu das minhas vistas.

Depois disso, voltei ao seu ponto e não mais te vi. Para as outras, paguei por resposta. Nunca existiu Elise ali. Existia Betina, Jennifer, Vanessa. Mas Elise nunca se viu. Fiquei sabendo. Novamente te perdi. E agora a minha face despedaçada se fazia esperando a peça que se desprendeu na ausência de mais um beijo.

Então selo essa carta sem endereço algum

Guardo para sempre junto com as outras

Elas se aglomeram em montes montanhas

Me despenco do alto

Caio na altura do teto

Em noite escura

Durmo com Ela nos braços

Ela me chama de ninguém

Eu a chamo de esperança

10 comentários:

  1. logo
    eu adianto.
    ficou uma merda isso!!
    desculpe por ser uma merda longa ainda por cima.

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  2. vc pode ter achado uma merda mas como adoro merdas ... rs ... amei ... amei ...

    "Então selo essa carta sem endereço algum
    Guardo para sempre junto com as outras
    Elas se aglomeram em montes montanhas
    Me despenco do alto
    Caio na altura do teto
    Em noite escura
    Durmo com Ela nos braços
    Ela me chama de ninguém
    Eu a chamo de esperança"

    não precisava de mais nada ... só isto ...

    bjux

    ;-)

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  3. merda?! oi?
    A carta mais diferente que já li. Poesia pura!

    Adorei!
    E assim como a da Luna, me lembrou o filme Closer também. kkkk

    Beijo!!

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  4. Penso, o que seria uma merda para você?
    Lindo,seria um adjetivo piegas e injusto ao que você escreve, somente isso.
    Você é grande, meu amigo, em cada palavra tua isso é verdade.
    Enfim, ela poderia ser qualquer uma mesmo, melhor a ter nos sonhos. Nos sonhos, ela não seria de mais ninguém

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  5. Olha, eu gostei muito... po, a putinha se foi e ele ficou a chupar os dedos..lindo isso!
    abraços!

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  6. Uma declaração de amor via comentário de blog vale alguma coisa? Tem que valer porque é o único mei que eu tenho de dizer o quanto gosto da escrita desse cara. Esse texto tá muito bom mesmo.

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  7. pessoas. que bom que gostaram. já não digo o mesmo ^^
    katrina, quando encontrar uma resposta, me diz?
    e hugo que bom que se identificou com o que escrevo ^^ qlqr coisa me add no meu e-mail, se aguentar, reclamo por lá tb.

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  8. Poxa, bom demais. Acho q sou o pior do blog, sinceramente. Elise é o nome do amor!

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  9. Nossa, que angustiante.
    E belo, sabe?
    Mas me deixou algo engasgado.. essas cartas que a gente não manda sempre me deixam engasgada de um jeito estranho.

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