quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Almas obesas

"Qual é o peso do amor?"

Era o que o pôster do filme, emoldurado na parede, me perguntava. 21 Gramas. Nome engraçado. Acendi um cigarro e fiquei ao lado do filme, à espera dela. Era um filme com Sean Penn, não é. Se eu não me engano, era aquele filme que dizia que perdíamos 21 gramas quando morríamos. Seria o peso da alma. Mas ora, que babaquice. Minha alma deveria pesar uns cinco em dias como esse.

Olhei o pôster novamente. Garota de bom gosto. E que demora uma eternidade para se arrumar. Sinto o cigarro grudando entre os lábios. Solto um rugido baixo e cansado. Olho em volta e continuo descobrindo. Ela já foi capa de jornal. Ela deve gostar de beisebol, tem um taco e tudo. Ela gosta de tantas coisas. Máscaras tribais. Cachimbos. Cadeiras e mesas velhas. Cortinas pesadas. Ar condicionado no último. Quantos gramas minha alma pesa se eu fumar muito? Será que a alma se perde pouco a pouco e quando a gente finalmente empacota somos pessoas sem alma só porque adoramos uma nicotina escurecendo tudo?

Ela sai do quarto. Nem dou muita atenção às roupas apertadas que ela vestiu para ressaltar os peitos e a bunda. Sentou na cadeira, cruzou as pernas. Eu ainda encaro Penn, Watts e Del Toro. E aí, o que eu faço, gente.

Não sabia que ia acordar e acabar dando de cara com você. O que você tá fazendo aqui? Tá devendo dinheiro pra alguém lá da nossa cidade?

Ah, você sabe, vim de lá por muitos motivos, alguns melhor nem comentar, mas a maioria é muito chata para que você tenha qualquer interesse de verdade - ela descruzou as pernas, afastou as coxas - Mas digamos que foi porque o universo deu um twist, um ponto de virada, o roteiro das coisas mudou, e aí então eu vim pra cá, dormi no quarto da sua amiga, ela foi com a minha cara.

Ela não é minha amiga. A gente só racha o apê. Nós duas damos a metade e a outra metade fica com a mandachuva, mestra das marionetes, que viajou pra Inglaterra, pra sentir um frio e poder usar cachecol e poder dirigir ao contrário.

Então é uma casa só de mulher, um harém, coisa interessante, provavelmente todas vocês tem namorados e eu provavelmente vou tomar na bunda se dormir no sofá e fumar uns cigarros, aqui deve ter bastante coisa deles também, não é mesmo, tipo esse taco de beisebol aqui - tirei ele do suporte da parede, agarrei-o e sacudi no ar. Segurei ele como se estivesse segurando meu pau, ela caiu na risada.

Você não presta. Enfim, minha amiga não tem namorado, eu também não tenho, a mandachuva tem, um escroto psicótico que gosta de bater em mulher.

Ah, então sua amiga é uma masoquista dos infernos, hein? Ouvi dizer que Deus castiga quem gosta de apanhar. Não é irônico castigar com tridentes, correntes, pregos e outras coisas quem gosta de apanhar? Qual seria o castigo de quem gosta de bater?

Não sei. Você gosta de bater?

Ficamos nos encarando. Me joguei no sofá. O mundo tá acabando, sussurrei. Hein, ela perguntou. O mundo. Acabando. 2012, sabe. Aquele filme ruim. Não pode estar tão longe da verdade. Apesar dos efeitos especiais sinistros. Eu acredito que o mundo vai acabar. Acredito que o mundo vai acabar quando eu estiver limpando a bunda depois daquela cagada que a gente dá quando tem ressaca.

Ela olhava chocada. Com o meu discurso, com a minha aparência, com a barba que eu não faço há tanto tempo, com o cabelo que não corto há outros tantos. Vida de carona é assim. Você não pode parar. Tem que seguir em frente, erguer o dedo, de vez em quando passar na casa de amigos. Dormir lá. Dormir na rua. Qualquer coisa, só não podemos voltar pra casa. Mas até que morar na capital não é tão ruim assim. É bem longe. Bem longe de lá.

Olhei em volta.

Deve ser legal morar aqui. As reclamações de suas amigas não devem ser tão chatas quanto as da sua mãe, não é mesmo?, eu era um escroto por perguntar isso, é claro, ela odiava a a mãe, mas sim, eu perguntei e cruzei as pernas novamente, aqui está muito longe de tudo.

Nós estamos NO MEIO de tudo, será que você não percebe? Não precisa mais ir não sei aonde pra comprar cigarro ou qualquer bagulho que você queira, nós estamos no meio de tudo, no meio da podreira, dos pedófilos, dos neuróticos, dos trotes telefônicos obscenos, isso aqui definitivamente tá mais pra mar do que pra deserto.

É um deserto de idéias. Você consegue pensar em algo interessante pra fazer? Não, ninguém que mora aqui tem idéia de algo interessante pra fazer, acho que é por isso que essa coisa de fim do mundo é tão interessante - ela abriu as pernas, estava sem calcinha, eu com certeza fiquei excitado naquele momento, minha respiração está ficando pesada, será minha alma ficando obesa, será que o cigarro está me matando. - Viu, você concorda, não há nada de criativo.

Continuou não havendo criatividade quando ela sentou no meu colo, abriu meu zíper, há quanto tempo a gente não fazia isso, ela perguntou, eu fiquei quieto, eu só fiquei gemendo e pensando se isso era muito chato ou eu que não sabia aproveitar a vida, a amiga dela não acordava, assim como outras tantas na cidade pararam de acordar, foi aí que eu passei a gostar, foi aí que a culpa cristã foi embora, foi aí que eu passei a machucá-la por dentro, e então levei as mãos corajosas até o pescocinho fino dela.

Me pergunto quantos gramas ela perdeu

6 comentários:

  1. Que horror! Que medonho. Estou assustada.

    ResponderExcluir
  2. seus textos são verdadeiro mistério para mim...mistério bom!

    real demais para ser ficação.
    louco demais para ser real.

    mas também, e daí? quem disse que a gente precisa entender tudo?

    vou curtindo diariamente!

    ResponderExcluir
  3. quem disse que a gente precisa entender tudo? [2]

    ResponderExcluir
  4. Seria isso uma refilmagem de 21 gramas?

    ResponderExcluir
  5. "Vida de carona é assim. Você não pode parar. Tem que seguir em frente, erguer o dedo, de vez em quando passar na casa de amigos."

    Ahh... perfeito...
    Acho q foi o único q não fiquei com medo ahahahah muito bom.

    ResponderExcluir