Ele teve os braços amputados e por isso não escrevia. Eu escrevia por ele. Não leria mais se eu não estivesse ali segurando as abas e nunca ficaria bêbado se eu não lhe ajudasse entornar. Pois bem, quando o conheci, bebia tudo em goles profundos, dizia eu te amo, minha paixão, abra as pernas, nada escapa da minha caneta, dos meus dedos, morda meus braços. Manipulava drama, desaforos e adjetivos. Agora, só desviaria os seus olhos se com uma seringa eu lhe desse o horizonte, só escreveria um final triste se eu bem entendesse. Ajudo-o a colher os frutos amargos, dou adeus para quem passar. O seu diário passa em minhas mãos e os seus livros encaminhados por mim. Assustado, chora todas as manhãs olhando para xícara de café. Já nessa birosca que ele tanto ama, não o deixo sorrindo por meia porção de caridade, faço que pague a conta da mesa oito e da mesa doze onde estão todos que ele odeia: os que ainda têm braços e escrevem por si mesmos. Às vezes, quando ranjo os dentes, recorro ao seu olhar triste um beijo apaixonado, caio atônita de pára-quedas em seu vazio, recorto as palavras que ele cospe no ar e me alinho nesse desalinho poético. Logo fico esmurrada, sem dentes, com a gengiva sangrando. Enraivecida, deixo-o ali na mesa, meio como a sua nova literatura: com dinheiro no bolso mas sem braços para pagar.
sábado, 16 de janeiro de 2010
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Cruel, porém elegante. Não menos brilhante.
ResponderExcluirapesar de pesado, eu gostei.
ResponderExcluirNão desconfio que seja Clarice
ResponderExcluirPesado, de fato.
ResponderExcluirCaraio, Leandro!
ResponderExcluirQue história! E com que palavras!
Vcs são 10, mesmo!
Segue essa historia mas essa verdadeira.
ResponderExcluirwww.amputadosvencedores.com.br
realmente pesada,e intrigante sim..
ResponderExcluirCreio que o personagem central me passa uma certa arrogância que foi perdida junto com os braços...
Adorei o texto!