A melhor coisa da minha vida foi mudar para New York e sentir frio. Mas como eu sou mentiroso: eu nunca mudei pra cá. Aceitei um emprego, moro em um hotel. Nem tenho visto. Que merda, qualquer hora me chutam o rabo pra fora daqui.
Mas eu não estou aqui. Estou na Califórnia. E me pergunto, eu ainda preciso de casaco? Ninguém soube me dizer que sim, ninguém soube me dizer que não, disseram que a Califórnia é tão grande que o clima por lá é meio pirado. Talvez eu não precise de um casaco, precise de uma capa de chuva laranja ou amarela,
mas recapitulando, o que eu vim fazer aqui? Passo os dias por esse balé bêbado de pessoas, passo os dias paquerando garçonetes mexicanas e apanhando de patrões ciumentos, cuspo sangue por cada viela, estou morando em um hotel barato, onde é que eu moro afinal, lá onde eu nasci riem do meu sotaque de gringo, aqui onde ando riem do meu sotaque chicano, quando nem chicano eu sou, mas meu último chefe lá na cidade que nunca dorme me disse, vocês são todos chicanos, vocês mexicanos, vocês argentinos, vocês brasileiros, e tomei um direto no queixo quando disse que o número de chicanos deveria exceder o de vocês seus europeus disfarçados de listras, estrelas e fastfood.
Mas ei, não se magoem, o cinema de vocês é o melhor do mundo
Repetia isso no gravador e aquele carcamano pela primeira vez no dia deixou de olhar as coxas da mexicana para me olhar repetir insistentemente. E ele se apresentou, Arturo. Como vai, como vai, quer um trago, aceito, começamos a beber, acho que uísque escocês com água, o Nick Belane tomava isso direto em Pulp, quem, nada, Arturo, esquece.
Arturo riu
Deve ter sido por continuar a elogiar a vodka quando eu comecei a tomar Heineken, mas oras, é alcool ainda, eu não posso estar tão bêbado, eu não estou tão bêbado. Tem cigarro Arturo, não, só charutos, e eu neguei, charutos trazem más memórias, trazem cafetões, trazem aquela marca redonda que ainda arde na parte interior da minha coxa esquerda até hoje, mas eu avisei que não podia pagar tudo, eu nem sei se avisei, eu nunca mais vou fumar charuto, falei alto, Arturo tomou um susto e de repente aquela figura que parecia ter carregado de tudo nessa vida - mulheres, sacos de areia, quinquilharias, dor intensa, recuou a expressão como uma criança inocente, você viu Arturo, eu tenho minhas surpresas, então ele riu, e estranho, os ombros dele voltaram a pesar
Começou a chover, Arturo e eu na queda de braço, ele ria muito, e eu sou muito fraco, acho que todos os meus músculos foram tragados pelo meu vício em nicotina e só sobrou uma massa de gordura pronta para fazer pastel de carne, você gosta de pastel de carne, o que, foi meu impulso, ganhei de Arturo, filho da puta, fortão ou não, mais forte do que eu, era um homem frágil, mas não um homem vazio, mais forte do que eu, ele lutaria com a palmeira e só pararia dias depois pelo cansaço, eu passo longe da palmeira, o que você faz, Arturo, sou escritor e roteirita, você faz, aceito bicos e eu deveria estar enterrando uma faca no meio da sua testa, ele riu
O pior é que era verdade, diabos
Lembro quando aquela mulher de vermelho que não usava calcinha bateu na minha porta e disse que eu iria ganhar uma bolada se eu não deixasse esse sujeito escrever mais uma linha, ou então iria comer capim pela raiz, mas afinal, eu gosto de sujeitos que escrevem linhas, passei meu dedo pela mesa, senti a poeira se juntando, minha alergia vai começar daqui a pouco, o clima esfriando, a poeira juntando, Arturo não se abalava, ei Arturo, acho que vou morrer, não tive coragem de dizer isso, lancei aqueles olhares desesperados por compreensão, mas que acho que não foram feitos para serem compreendidos
Abri os olhos, finalmente, me levantei, cobri meu corpo com o casacão, já estava anoitecendo, mas pus óculos escuros, estava chovendo, mas acendi um cigarro, eu iria morrrer, mas Arturo iria esperar, Arturo iria perguntar, Arturo teria anos ruins
Ei, nem vai ajudar com a conta?
Foda-se, Bandini!, estiquei o dedo médio
Como eu sabia seu sobrenome, ele perguntou. Também não sei. A coxuda de vermelho não me contou. Olhei pra trás mais uma vez, sorrindo, vi ele conversar com Camila. Essa eu sabia o nome, tinha no crachá.
Soltei um peido, atravessei a rua, joguei o cigarro fora e nem vi o esgoto engolir
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
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Bebe com Bandini e nem chama (Y)
ResponderExcluirE por falar nisso... Eu quero beber!!!
ResponderExcluirnhaí! tb quero bebersshhhh ...
ResponderExcluirParabéns pelo Destaque GB em 14/01/2010 ...
reconhecimento justíssimo
bjux
;-)
Nem vi o esgoto engolir.
ResponderExcluirTexto foda.
Você avisou que não pagaria e mesmo que não.. foda-se, Bandini!
ResponderExcluirMuito bom.
Bandini, Bandini. O fante é um sacana, ele é mais ainda e você, ganha dos dois.
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