quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

100%

Eu passava muito tempo tentando escrever. Ela se ligava nesse tipo de coisa... Tipo cultura. Eu estava cansado de viver na merda... E ela dizia que me amava. Ah, ela me amava. Ela tinha aquela coisa, sabe? Aquela coisa que faz as pessoas olharem para ela e continuar olhando pra ela e sentir saudades quando ela vai embora, era uma cilada magnética. Ela saia de casa, ouvia as idiotices dos pedreiros e mostrava o dedo. Quando voltava eles faziam as mesmas gracinhas e ela os mandava a merda. Nesse meio tempo eu deixava bilhetes pendurados na geladeira: “Agora vou contar pequenas anedotas de acaso objetivas que acho apaixonante. O rosto dela – a minha bem amada- nascia do turbilhão Gengis Khaniano universal como a imagem mordaz que ela adora. Ovula esse amor, mês a mês, sangra e suja sem motivos. A mancha do sangue é a marca do amor.” Esse tipo de coisa a deixava radiante, e ela sabia me recompensar.
O tempo passou e eu entrei em dificuldades. Fiquei dias tentando escrever uma frase, e quando conseguia, eu já estava num estado animalesco, fedendo a suor e café com leite. Eu era errante e anêmico, meu charlatanismo já não era o bastante. Eu tinha perdido o encanto e ela a paciência. Ela começou a pesar em mim, minha cruz. Queria poemas novos, questionava o porque de eu não escrever mais nada para ela. Era uma amante, ela tinha certeza. Mas na verdade era o Campeonato Paulista que tinha começado mal para o Corinthians.
“Que inferno, porra! Já disse pra largar do meu pé! Me deixa, será que não entende? Me deixa em paz! Me deixa em paz sua chata! Puta que o pariu, será que estou falando grego?!” Essa piranha estava indo longe demais, gritava que eu a estava traindo e me chamava de puto.
Souza tinha perdido outro gol, e eu comecei a ouvir os disparos. Sete? Pensei que só coubessem seis balas naquela arma. Então eu apaguei.
A sala de cirurgia tinha cheiro de sexo, as enfermeiras tinham roupas encardidas e voz de fumante... O médico parecia um cafetão bêbado. Ah, minha garota estava lá... Aos prantos e se desculpando. ”Está tudo bem, como sempre eu estou bem... Estou 100%” Cantarolei baixinho do jeito que ela gostava... “Gun to my head, goodbye I am dead; Wastewood rockers it's time for crime, hey!”
Suas mãos, seus cabelos, suas pernas, sua boca, tudo que eriçava meus olhos, suas formas misturaram na minha mente... Era o fim, o médico balançava a cabeça negativamente... Mas no ritmo da música.



Frase Laranja da Quarta Feira:
“Eu era um grande poeta, ele me disse, mas eu bebia. E tinha vivido uma vida desgraçada e marginal. Hoje, os jovens poetas bebiam e viviam vidas miseráveis e marginais porque eles achavam que era assim que se fazia”
Bukowski

11 comentários:

  1. a vida não muda. o que muda (a todo instante) é a nossa visão a respeito da vida!

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  2. .... toda quarta feira... todo mundo bem.
    Mas assim não vale...

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  3. Tudo muda. A vida e as percepções.

    É como diz a sabedoria popular:
    "Tudo muda. Até a bermuda".

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  4. Ah! Queria elogiar o texto.

    Gosto de textos que trazem franqueza, quebra de expectativa, sem se tornarem monótonos e repetitivos.

    Muito bom.

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  5. ta legal isso aqui.. tem coisas interessantes...Bukowski é uma merda..


    to brincando, to brincando..

    eu acredito que o amor é um dog do demo..

    abraço

    passem no meu blo e azucrinem

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  6. Que texto genial e fechar com essa frase do Bukowski..
    É uma frase eterna, se alguém não quebrar essa coisa "os maiores faziam, farei também", mas.. é possível um maior poeta saudável e feliz?
    Dizem que os que mais pensam ficam os mais miseráveis.. talvez seja isso. Ou não.

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  7. Fico mais apavorada, cada vez que leio. Beijo

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