domingo, 31 de janeiro de 2010

Sempre Como na Primeira Vez

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O sabor da manga estava podre e me fez vomitar. Mas que droga, parecia ser uma manga perfeita, olhando a parte de fora. Na verdade não estava podre, pude notar observando melhor. Só possuía um sabor ligeiramente diferente do convencional.

A noite agitada, o cheiro das pessoas, a música tocando, toda aquela conversa difícil de acompanhar, me vê um chopp, olha que gata, preciso comer algo, garçom?, cara, você tá bêbado, Alfredinho é um cara maneiro, me vê uma porção de batatas, vou te apresentar um amigo meu, prefiro aquele outro bar, nunca tinha te visto por aqui, mas que cantada horrível, mas você tá conversando comigo até agora, você beija bem, nos vemos outro dia, vê se me liga.

-Conheci essa garota, estamos saindo há umas duas semanas, as coisas estão indo muito bem. Acho que talvez role algo mais sério. Gosto do jeito dela, só é um pouco tímida demais, sabe, não pode isso, não pode aquilo, tira a mão daí, essas coisas. Mas aos poucos estamos ficando mais íntimos, imagino que ela em breve irá relaxar e as coisas vão fluir melhor...




(...)




...não sei o que está acontecendo, se estou fazendo algo de errado, mas ela parece não se acostumar comigo nunca, estamos sempre no mesmo ponto, sem avançar, pelo menos vetorialmente dela pra mim. Achei que já estávamos super íntimos mas ela continua impedindo meus avanços. Talvez seja a família, um tanto conservadora? Ou quem sabe ela tenha algum trauma de infância, ou algum tipo de problema pessoal que tenha vergonha de contar. De qualquer forma parece gostar bastante de mim. Desde que eu mantenha minhas mãos longe de suas partes íntimas.




(...)




-Você está irresistível hoje. Não sei se vou conseguir me controlar.
-Vamos para o quarto.

(...)

-Ai, desculpe, não sei vou conseguir fazer isso hoje, eu sei que nos conhecemos há um tempo razoável, mas é que demoro um pouco até pegar intimidade pra fazer essas coisas.
-Sei, compreendo. Olha... você não gostaria de conversar sobre isso? Por acaso tem algo que gostaria de contar, mas sente vergonha?
-Bom, pra falar a verdade tem sim... mas depois falamos disso, vem cá...

(...)

-Você trouxe camisinha?

Finalmente estava tendo a oportunidade de remover as calcinhas. Qual não foi sua surpresa ao se dar conta dos fatos por ela ocultados.

-O que é isso?
-Me desculpe, devia ter te falado.
-Não precisa se desculpar. Mas o que significa isso?
-Já nasci assim. Por favor não me olhe assim, tenho muita vergonha disso.
-Estou um pouco atordoado, apenas isso. Nunca havia visto nada parecido.
-É algo um pouco incomum, eu sei.
-Mas então você é virgem?
-Não, mas pra eu transar é um pouco mais complicado.
-Complicado? Aparentemente é impossível! Não tem nada aí. É liso.
-Eu possuo todos os órgãos do aparelho reprodutor feminino. Apenas minha vagina que é fechada.
-Entendi. Mas como fazemos?
-Precisamos de uma faca.

Ele vai até a cozinha e pega uma faca.

-Serve dessa?
-Não, tem que ser mais afiada. Pega uma daquelas suas de cortar carne.

Ele pega outra faca.

-E essa?
-Isso, essa deve servir. Faça assim...

Ela lhe explica como deve proceder. Ele pega a faca e começa a abrir um buraco no lugar onde, em uma mulher comum, haveria a vagina. Os sangue começa a jorrar e seus gritos são aterrorizantes.

-Está tudo bem?? Tem certeza de que quer fazer isso? Você está perdendo muito sangue. Vou chamar uma ambulância.
-Não, não precisa. Já fiz isso outras vezes. É normal que eu perca sangue assim. Pode continuar.

Terminando de abrir o buraco, ele põe a faca de lado e a penetra. Ao término da cópula, com a cama já completamente vermelha de sangue, eles adormecem.

Enquanto dormem, sua vagina começa a se recuperar.

Ao amanhecer, o buraco já está completamente fechado novamente.
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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Almas obesas

"Qual é o peso do amor?"

Era o que o pôster do filme, emoldurado na parede, me perguntava. 21 Gramas. Nome engraçado. Acendi um cigarro e fiquei ao lado do filme, à espera dela. Era um filme com Sean Penn, não é. Se eu não me engano, era aquele filme que dizia que perdíamos 21 gramas quando morríamos. Seria o peso da alma. Mas ora, que babaquice. Minha alma deveria pesar uns cinco em dias como esse.

Olhei o pôster novamente. Garota de bom gosto. E que demora uma eternidade para se arrumar. Sinto o cigarro grudando entre os lábios. Solto um rugido baixo e cansado. Olho em volta e continuo descobrindo. Ela já foi capa de jornal. Ela deve gostar de beisebol, tem um taco e tudo. Ela gosta de tantas coisas. Máscaras tribais. Cachimbos. Cadeiras e mesas velhas. Cortinas pesadas. Ar condicionado no último. Quantos gramas minha alma pesa se eu fumar muito? Será que a alma se perde pouco a pouco e quando a gente finalmente empacota somos pessoas sem alma só porque adoramos uma nicotina escurecendo tudo?

Ela sai do quarto. Nem dou muita atenção às roupas apertadas que ela vestiu para ressaltar os peitos e a bunda. Sentou na cadeira, cruzou as pernas. Eu ainda encaro Penn, Watts e Del Toro. E aí, o que eu faço, gente.

Não sabia que ia acordar e acabar dando de cara com você. O que você tá fazendo aqui? Tá devendo dinheiro pra alguém lá da nossa cidade?

Ah, você sabe, vim de lá por muitos motivos, alguns melhor nem comentar, mas a maioria é muito chata para que você tenha qualquer interesse de verdade - ela descruzou as pernas, afastou as coxas - Mas digamos que foi porque o universo deu um twist, um ponto de virada, o roteiro das coisas mudou, e aí então eu vim pra cá, dormi no quarto da sua amiga, ela foi com a minha cara.

Ela não é minha amiga. A gente só racha o apê. Nós duas damos a metade e a outra metade fica com a mandachuva, mestra das marionetes, que viajou pra Inglaterra, pra sentir um frio e poder usar cachecol e poder dirigir ao contrário.

Então é uma casa só de mulher, um harém, coisa interessante, provavelmente todas vocês tem namorados e eu provavelmente vou tomar na bunda se dormir no sofá e fumar uns cigarros, aqui deve ter bastante coisa deles também, não é mesmo, tipo esse taco de beisebol aqui - tirei ele do suporte da parede, agarrei-o e sacudi no ar. Segurei ele como se estivesse segurando meu pau, ela caiu na risada.

Você não presta. Enfim, minha amiga não tem namorado, eu também não tenho, a mandachuva tem, um escroto psicótico que gosta de bater em mulher.

Ah, então sua amiga é uma masoquista dos infernos, hein? Ouvi dizer que Deus castiga quem gosta de apanhar. Não é irônico castigar com tridentes, correntes, pregos e outras coisas quem gosta de apanhar? Qual seria o castigo de quem gosta de bater?

Não sei. Você gosta de bater?

Ficamos nos encarando. Me joguei no sofá. O mundo tá acabando, sussurrei. Hein, ela perguntou. O mundo. Acabando. 2012, sabe. Aquele filme ruim. Não pode estar tão longe da verdade. Apesar dos efeitos especiais sinistros. Eu acredito que o mundo vai acabar. Acredito que o mundo vai acabar quando eu estiver limpando a bunda depois daquela cagada que a gente dá quando tem ressaca.

Ela olhava chocada. Com o meu discurso, com a minha aparência, com a barba que eu não faço há tanto tempo, com o cabelo que não corto há outros tantos. Vida de carona é assim. Você não pode parar. Tem que seguir em frente, erguer o dedo, de vez em quando passar na casa de amigos. Dormir lá. Dormir na rua. Qualquer coisa, só não podemos voltar pra casa. Mas até que morar na capital não é tão ruim assim. É bem longe. Bem longe de lá.

Olhei em volta.

Deve ser legal morar aqui. As reclamações de suas amigas não devem ser tão chatas quanto as da sua mãe, não é mesmo?, eu era um escroto por perguntar isso, é claro, ela odiava a a mãe, mas sim, eu perguntei e cruzei as pernas novamente, aqui está muito longe de tudo.

Nós estamos NO MEIO de tudo, será que você não percebe? Não precisa mais ir não sei aonde pra comprar cigarro ou qualquer bagulho que você queira, nós estamos no meio de tudo, no meio da podreira, dos pedófilos, dos neuróticos, dos trotes telefônicos obscenos, isso aqui definitivamente tá mais pra mar do que pra deserto.

É um deserto de idéias. Você consegue pensar em algo interessante pra fazer? Não, ninguém que mora aqui tem idéia de algo interessante pra fazer, acho que é por isso que essa coisa de fim do mundo é tão interessante - ela abriu as pernas, estava sem calcinha, eu com certeza fiquei excitado naquele momento, minha respiração está ficando pesada, será minha alma ficando obesa, será que o cigarro está me matando. - Viu, você concorda, não há nada de criativo.

Continuou não havendo criatividade quando ela sentou no meu colo, abriu meu zíper, há quanto tempo a gente não fazia isso, ela perguntou, eu fiquei quieto, eu só fiquei gemendo e pensando se isso era muito chato ou eu que não sabia aproveitar a vida, a amiga dela não acordava, assim como outras tantas na cidade pararam de acordar, foi aí que eu passei a gostar, foi aí que a culpa cristã foi embora, foi aí que eu passei a machucá-la por dentro, e então levei as mãos corajosas até o pescocinho fino dela.

Me pergunto quantos gramas ela perdeu

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Frigida

É difícil voltar para casa depois que se bebe demais. Principalmente se tiver que encarar aquele amor frio, cinza escuro. A rua estava rodando, caí três vezes e ralei os joelhos. A fechadura desviava da chave... Mas consegui entrar em casa.
Ela, deitada na cama... Morena, seios durinhos, pernas cumpridas, boca pequena... Potencial de ser maravilhosa, mas é frigida.
Noite passada tentei, ela mandou eu ir rezar. Insisti um pouco, e ela me bateu, me arranhou, me queimou com o cigarro... acho que ela curte algum lance dominatrix. Toquei uma e gozei no cabelo dela... Só por vingança, depois saí de casa correndo... Só por garantia.
Agora ela está lá, deitada na cama... Super gostosa, ela não vai me dar... Disse que sente dor. Eu já tentei tudo... Sério. Vibradores, gel quente, gel frio, fantasias, joguinhos, psicólogos, frutas, ménage, filmes, dinheiro, sapato... Nada dá tesão nela.
Ela não esta dormindo, é fingimento. Ela vai se vingar! Jesus Cristo... Vou dormir com o travesseiro em cima da barriga para a faca não ir tão fundo.
Estava dormindo e no meio da madrugada sinto ela me cutucando o ombro. Dei um grito (grito de macho, tipo fuzileiro) e dei um pulo de seis metros para fora da cama... Como o quarto é bem pequeno, o salto foi grande demais e bati a cara na parede.
Ela ajudou a me levantar, lavou meus joelhos, pediu desculpa por me queimar com o cigarro. Ficamos bem e isso queria dizer uma coisa... Sexo de reconciliação! Mas ela não queria... estava na cara, e na verdade até eu tinha perdido o interesse. Pois quando ela não queria, se fazia de morta... Parecia necrofilia. Quando tentava participar, era muito estranho... Como explicar? Parecia um ataque epilético doloroso para ela.
Dei um beijo, lhe apertei a bunda e pedi para ela fazer um oral agora e um bife à milanesa para o almoço.


Frase Laranja da Quarta Feira:
“Enquanto eu tiver língua e dedo nenhuma mulher me bota medo.”
Provérbio Paraibano

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Peças.

As mãos deslizavam por partes obscuras, desconhecidas a tanto tempo que em pouco tempo se tornaram incrivelmente íntimas, peças de um quebra cabeça que se completariam naquele exato momento. Os lábios se perdiam enquanto as línguas encontravam todos os caminhos, foram poucas palavras, tanto desejo nascido num simples gesto: Uma leve inclinação de uma das cabeças para um dos ombros desocupados, uma mão encontrando a outra, um sorriso tímido de uma das partes e uma risada nervosa da outra. Desde muito já sabiam, seus corpos a uma mínima distância poderiam facilmente se encontrarem frenéticamente até que todas as peças estivessem encaixadas.

Enquanto botões eram desabotoados com pressa, mãos que se enfiavam dentro de calças e lábios que se ocupavam com outras partes que não fossem outros lábios, o sol setenciava toda e qualquer possibilidade. Os pensamentos se contradiziam e impediam alguns movimentos enquanto outros se tornavam mais frenéticos. Ela pensava no namorado que andava doente e deprimido, uma péssima e regular transa de 30 minutos com todos os orgasmos falsos que poderia ter ; ele pensando em comê-la a qualquer custo, não de era de hoje o pensamento alimentado por insinuações pelo telefone e fotos. Ela com a consciência tão pesadaque a cabeça por pouco tempo conseguiu sustentar, jogada no chão, porque se importar? Ele mesmo já não se importava com mais nada.

O que era taõ certo e provável desmorou em uma única frase
"Você tem camisinha?"

A consciência voltou para a cabeça, uma tonelada que enfraquecia os ombros e a quase fez desabar de tanta dor e remorso. Ele apenas teve que se contentar com formas alternativas de gozar o mais rápido possível, aos olhos dela, infeliz de não comporta-lo dentro de si.

Riram um pouco enquanto discutiam onde veriam o jogo do Corinthians naquela tarde.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Noite Poética (E Sangrenta)

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Leblon.
Os poetas da noite carioca se reúnem para compartilhar poesia.
Todos felizes.
Um lugar onde qualquer um pode ler poemas.
Poemas próprios, por exemplo.
O que pode ser um tanto perigoso.

-Boa noite! Vamos começar mais um Corujão da Poesia! Quem gostaria de começar?
-Eu! Eu!
-Ai, ele de novo - fala fora do microfone - Então, alguém mais???
-Eu, eu quero!! Deixa eu, por favor.
-Bom, vai lá... Qual seu nome mesmo?
-Leretrário.
-Ok, com vocês, Leretrário!
-O poema se chama "A Tarântula"
-Lá vem...

A tarântula
Está na minha boca
Sinto os seus pelos
E suas patas se movendo
São muitas patas
Logo
Sinto todas as patas se movendo
Essa tarântula dança
Faz sapateado
E também gosta de sambar
Sinto suas patas batendo e raspando
Na minha língua
O dia todo
Como aturar isso
Se ao menos a tarântula
Parasse pra descansar
Mas não
Lá está ela, dia e noite
Na minha boca a dançar
Só não fecho a minha boca
E trinco os meus dentes
Pois pior pra mim seria
Sentir o seu gosto esmagada
E estraçalhada


-Que... belo poema Leretrário. Obrigado pela sua part...
-O próximo se chama "O Buraco"


Vamos para o buraco
Vamos todos entrar no buraco
O buraco é bem apertado
Mas se nos espremermos bem
Caberemos todos no buraco
Apertado
Ò, como é aconchegante
Gostaria de viver aqui pra sempre
Que buraco delicioso
Dentro do buraco nunca estamos sozinhos
Pois há sempre gente por perto
Estamos sempre encostando em alguém
É só virar a cabeça pro lado
Para encontrar os olhos de outrem
Sentir a respiração
E o toque da pele
O buraco trás companhia
E companheirismo
Todos os problemas do mundo
Se resolveriam
Se todos entrassem juntos
Dentro do buraco
Apertado


-Muito bem, vamos chamar outra pessoa...
-Não, não, eu quero ler mais!!!
-Ó, deus...
-"Blong Blong"


Blong Blong
Eu ouço o barulho
Blong Blong
Sinto que está se aproximando
Posso ver ao longe
Na linha do horizonte
Blong Blong
Lá vem ela caminhando devagar
Blong Blong
Os seu peitos balançam
E se movem devagar


-Bem, ehr...
-Tenho outro ainda!!! Esse é mais moderno.
-Sei...


Nós fizemos amizade no Orkut
Amizade Real
e Eterna
Meus olhos se enchem de lágrimas
Quando penso em nossa amizade
Orkutal
E...


Nesse momento Jonésio saca sua shotgun e explode a cabeça de Leretrário.

-Que alívio. ISSO sim é poesia.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Atire você no poeta.

Azevedo há semanas trocou o papel pelas paredes de um quarto, o álcool do vinho pela loucura da saudade. Confunde os seus sonetos nos traços do rosto dela que rabiscado assim tinha ar de coisa, coisa amada. As enfermeiras tiram o seu sangue e o que respinga é passado nos cabelos dela, retira do xarope o entardecer do fundo, esculpe as linhas do corpo com o que sobrou das suas unhas. No amanhecer, acorda com o rosto no rosto dela colado na parede úmida de febre que abafa os gritos do corredor. Até que venham em suas galochas de borracha preta junto com o sino da igreja para lavar toda tinta que ele ali sangrou. Quando de dia, grampo nos olhos, braços atados em camisa de força. À noite, comprimidos para dormir, afundar aonde os sonhos não passam. Cego, torturado, pede que venham e levem o seu corpo para longe desses corvos que o estraçalha lentamente. Para cada lasca de sua pele, um traço a mais a se formar na neblina em seus olhos, até que desvelado já a tinha novamente. Ela que com o seu silêncio o deixou com uma bala alojada no peito, nadando entre palavras secas em seus gastos dedos, desfragmentando cada segundo para esquecer o rosto de espanto que ela fez quando ele com 20 facadas a matou no que seria o seu desfecho.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Desencanto a John Wayne

Foi numa dessas noites que eu estava de preto, se eu bem me lembro, descia a rampa que dava até a areia da praia, sentia o cheiro de mijo que emanava das paredes, chocando-se com o cheiro de maresia, não sei como eu não ficava tonto, tinha um ataque sinestésico, ou merda do tipo, mas continuava a andar por aí, as botas de couro começavam a sujar de areia suja e guimbas de cigarro e restos de comida e saliva e bosta e papel e plástico e tudo que havia de ruim, ainda bem que eu nunca ando descalço fora de casa, por uma vida menos ordinária deixei de fumar o derby de sempre e comprei um lucky strike vermelho mas que mesmo havia grudado nos lábios e imaginava a merda que seria arrancar, me dava preguiça, me deixava inerte, mas eu seguia caminhando, caminhando feito gentalha, caminhando feito doente, sentia meus pés rompendo, passei a mão pelo meu cinto.

Colt ainda estava lá, uma cobra querendo morder

Eu deveria voltar para o bar, deveria sair de toda essa areia, mas estou em busca daquele que toca piano, daquele coberto de tinta, daquele isolado, vivendo entre palmeiras, não deve ter palmeiras aqui, um náufrago de espírito, um ser humano que afundou, você já perdeu a humanidade hoje?, ele perguntava para qualquer um que passava, um caso de lucidez perdida, um caso de cabeça fodida, ele deveria perder a humanidade hoje, ele deveria me perguntar, ele não deveria deixar por menos, ele deveria me deixar com náuseas por causa daquele maldito papo cabeça

Você já perdeu a humanidade hoje?

Ele não larga o violão, não larga a pequena coleção de colares à venda por preços ridículos, está sempre tocando alguma nota, está sempre buscando a próxima melodia, fiz que não com a cabeça, ele sorriu, devia ser a primeira pessoa que falava com ele em meses, ele começou a rir, perguntou quando ia perder, não sei, eu disse, eu acho que eu preferia morrer antes porque assim que eu parasse de me importar tanto eu pararia de detestar tanto e eu pararia de cutir os pequenos prazeres, ele acompanhava, e eu acho que e estou predendo, continuei, você não tocava piano?, só violão agora, meu piano teve uma cirrose por não conseguir me acompanhar, descobri então o prazer do violão, criatura naturalmente bêbada, como aquelas piranhas que bebem contigo e roubam seus cigarros, você sabe como é, sei sim, dizem que você tinha as respostas, estou vendo que tem mesmo, ah, você sabe como é eu invento uma atrás de outra, acaba fazendo sentido uma hora, é deve fazer mesmo

Acho que já vou indo, é hora da minha perda gradual do dia

Sabe, eu poderia ter estourado a cabeça daquele filho da puta, mas ele sabe demais, ele é um verdadeiro profeta, ele é o sentido da vida, eu poderia estourar minha própria cabeça, mas talvez nem tudo tenha se perdido

Atirei no sol da manhã
Atirei no crepúsculo
A noite atirou em mim

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

100%

Eu passava muito tempo tentando escrever. Ela se ligava nesse tipo de coisa... Tipo cultura. Eu estava cansado de viver na merda... E ela dizia que me amava. Ah, ela me amava. Ela tinha aquela coisa, sabe? Aquela coisa que faz as pessoas olharem para ela e continuar olhando pra ela e sentir saudades quando ela vai embora, era uma cilada magnética. Ela saia de casa, ouvia as idiotices dos pedreiros e mostrava o dedo. Quando voltava eles faziam as mesmas gracinhas e ela os mandava a merda. Nesse meio tempo eu deixava bilhetes pendurados na geladeira: “Agora vou contar pequenas anedotas de acaso objetivas que acho apaixonante. O rosto dela – a minha bem amada- nascia do turbilhão Gengis Khaniano universal como a imagem mordaz que ela adora. Ovula esse amor, mês a mês, sangra e suja sem motivos. A mancha do sangue é a marca do amor.” Esse tipo de coisa a deixava radiante, e ela sabia me recompensar.
O tempo passou e eu entrei em dificuldades. Fiquei dias tentando escrever uma frase, e quando conseguia, eu já estava num estado animalesco, fedendo a suor e café com leite. Eu era errante e anêmico, meu charlatanismo já não era o bastante. Eu tinha perdido o encanto e ela a paciência. Ela começou a pesar em mim, minha cruz. Queria poemas novos, questionava o porque de eu não escrever mais nada para ela. Era uma amante, ela tinha certeza. Mas na verdade era o Campeonato Paulista que tinha começado mal para o Corinthians.
“Que inferno, porra! Já disse pra largar do meu pé! Me deixa, será que não entende? Me deixa em paz! Me deixa em paz sua chata! Puta que o pariu, será que estou falando grego?!” Essa piranha estava indo longe demais, gritava que eu a estava traindo e me chamava de puto.
Souza tinha perdido outro gol, e eu comecei a ouvir os disparos. Sete? Pensei que só coubessem seis balas naquela arma. Então eu apaguei.
A sala de cirurgia tinha cheiro de sexo, as enfermeiras tinham roupas encardidas e voz de fumante... O médico parecia um cafetão bêbado. Ah, minha garota estava lá... Aos prantos e se desculpando. ”Está tudo bem, como sempre eu estou bem... Estou 100%” Cantarolei baixinho do jeito que ela gostava... “Gun to my head, goodbye I am dead; Wastewood rockers it's time for crime, hey!”
Suas mãos, seus cabelos, suas pernas, sua boca, tudo que eriçava meus olhos, suas formas misturaram na minha mente... Era o fim, o médico balançava a cabeça negativamente... Mas no ritmo da música.



Frase Laranja da Quarta Feira:
“Eu era um grande poeta, ele me disse, mas eu bebia. E tinha vivido uma vida desgraçada e marginal. Hoje, os jovens poetas bebiam e viviam vidas miseráveis e marginais porque eles achavam que era assim que se fazia”
Bukowski

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Tiros em veludo.

Sorriu com a poesia escrita em sangue, pingando nas palavras.
Um corte profundo em todo o lirismo, um grito perdido no além. Saberiam um dia dos tiros? Ninguém ouviu nada mais do que os gritos daquele que uivava constantemente, dito como louco, crente em sua escrita. Foram 5 tiros, talvez 7, os peritos ainda desconfiariam de 8, mas jamais se importariam em como aquelas balas foram parar exatamente nele. Só estavam dele, metafisicamente falando, espiritualmente falando, aquela porra toda de chumbo jamais o acertara, era só veludo a pele, azul mesmo. Escapou por um triz, mostrando o dedo do meio para Deus e seus anjinhos sacanas. Poderia escolher alguém para lhe guiar pelo inferno. Estava livre, perdendo tudo.
Tocando o céu, teria todas as notas.

As digitais da arma encontrada algum tempo depois eram de várias musas cansadas de tanta mentira rimada em versos

- Quer poesia?

BANG BANG BANG

domingo, 17 de janeiro de 2010

Manoel, Se Hoje Fosse Amanhã

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Estava sentado num bar.
Bebia.
Sozinho.

Já havia perdido a conta de quantas
Cervejas
Vodkas
Martinis
Vinhos
Tequilas
Havia tomado naquele dia.

Foi aí que ele apareceu.
Chegou navegando dentro da tempestade que boiava em cima do olho de um sapo.

Não entendi direito aquilo, mas como estava embriagado, aceitei prontamente a visão.

-E aí, cara!!! Bora entornar!!!!!! - eu disse virando uma vodka na minha cabeça.
-O rio que entorna os meus passarinhos só conhece o lado besouro do dia.
-Oi?
-Quando o verbo sai da minha boca, se entorta e vira lua ao meio dia escuro.
-Não estou entendendo aonde quer chegar.
-No meio da mania de menino, de riacho mole e vontade azul das minhas pernas.
-Garçom, desce mais um aqui pro meu amigo... qual teu nome?
-Manoel de Barros. Mas eu não bebo, quem bebe é o vidro do quintal, no dia das lamentações, em dia de chuva futura.
-Tu ta bem, cara?? Tu só fala umas paradas estranhas!!!
-Estranho é quando um peixe, que se encontra numa casca, aparece no meio do breu, enfezado que nem unha.
-...
-Mas é como sempre digo: Da fronteira do pé, não passam as capivaras da hora sem cor.
-Saquei.

Depois que divagou sobre todas as coisas que não existem, mas que vão sempre continuar a existir, não consegui mais prestar atenção no que ele falava, nesse verbo andorinha da cor de grilo encorpado.

Foi então que as imagens começaram a ficar embaçadas. Apareceu um cara dizendo que se hoje fosse amanhã, eu estaria ali. Ele apontou pro outro lado do bar, e lá estava eu, com umas pessoas estranhas:
-Bora entornar, bródi!!!! Uhulllll!!!! - o eu do outro lado do bar dizia pros que me cercavam.
-Não entornarei esta água turva, mais que escura, azul o cavalo, azul teu cu.
-Nem eu, ainda não entendi quando minha mãe morreu, se foi hoje ou ontem. Talvez seja o sol.
-Ah, não sei, Sara!!! Todos vão dizer que sempre fui um louco, um romântico, um anarq... Sara?
-A Secretária Loura, Bronzeada Pelo Sol entornaria se estivesse com o Empresário Bem Sucedido De Gravata Azul De Listras Laranjas.
-Antes de mais nada, tudo.

Então o Manoel deu uma voadora na mão que apontava do Lynch, quebrando o encanto hipnótico. O Lynch deu um ataque, enquanto ajeitava o topete, dizendo umas coisas que se colocadas na ordem certa fariam algum sentido.

Depois disso não me lembro de mais nada. Acordei do lado de fora do bar, já claro, com o corpo vomitado. Lavantei-me ainda cambaleando, e caí no meio da rua. Um carro passou muito rápido e cortou minha cabeça fora. Alguns minutos depois consegui me levantar novamente e caminhei sem rumo, afinal, não podia ver pra onde estava indo. Mas...


-É por isso que não compro livros de autores novos desconhecidos, nada faz sentido - ele disse enquanto comia os restos de minha cabeça esmagada.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Pedaço

Ele teve os braços amputados e por isso não escrevia. Eu escrevia por ele. Não leria mais se eu não estivesse ali segurando as abas e nunca ficaria bêbado se eu não lhe ajudasse entornar. Pois bem, quando o conheci, bebia tudo em goles profundos, dizia eu te amo, minha paixão, abra as pernas, nada escapa da minha caneta, dos meus dedos, morda meus braços. Manipulava drama, desaforos e adjetivos. Agora, só desviaria os seus olhos se com uma seringa eu lhe desse o horizonte, só escreveria um final triste se eu bem entendesse. Ajudo-o a colher os frutos amargos, dou adeus para quem passar. O seu diário passa em minhas mãos e os seus livros encaminhados por mim. Assustado, chora todas as manhãs olhando para xícara de café. Já nessa birosca que ele tanto ama, não o deixo sorrindo por meia porção de caridade, faço que pague a conta da mesa oito e da mesa doze onde estão todos que ele odeia: os que ainda têm braços e escrevem por si mesmos. Às vezes, quando ranjo os dentes, recorro ao seu olhar triste um beijo apaixonado, caio atônita de pára-quedas em seu vazio, recorto as palavras que ele cospe no ar e me alinho nesse desalinho poético. Logo fico esmurrada, sem dentes, com a gengiva sangrando. Enraivecida, deixo-o ali na mesa, meio como a sua nova literatura: com dinheiro no bolso mas sem braços para pagar.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O Inverno já chegou

A melhor coisa da minha vida foi mudar para New York e sentir frio. Mas como eu sou mentiroso: eu nunca mudei pra cá. Aceitei um emprego, moro em um hotel. Nem tenho visto. Que merda, qualquer hora me chutam o rabo pra fora daqui.

Mas eu não estou aqui. Estou na Califórnia. E me pergunto, eu ainda preciso de casaco? Ninguém soube me dizer que sim, ninguém soube me dizer que não, disseram que a Califórnia é tão grande que o clima por lá é meio pirado. Talvez eu não precise de um casaco, precise de uma capa de chuva laranja ou amarela,

mas recapitulando, o que eu vim fazer aqui? Passo os dias por esse balé bêbado de pessoas, passo os dias paquerando garçonetes mexicanas e apanhando de patrões ciumentos, cuspo sangue por cada viela, estou morando em um hotel barato, onde é que eu moro afinal, lá onde eu nasci riem do meu sotaque de gringo, aqui onde ando riem do meu sotaque chicano, quando nem chicano eu sou, mas meu último chefe lá na cidade que nunca dorme me disse, vocês são todos chicanos, vocês mexicanos, vocês argentinos, vocês brasileiros, e tomei um direto no queixo quando disse que o número de chicanos deveria exceder o de vocês seus europeus disfarçados de listras, estrelas e fastfood.

Mas ei, não se magoem, o cinema de vocês é o melhor do mundo

Repetia isso no gravador e aquele carcamano pela primeira vez no dia deixou de olhar as coxas da mexicana para me olhar repetir insistentemente. E ele se apresentou, Arturo. Como vai, como vai, quer um trago, aceito, começamos a beber, acho que uísque escocês com água, o Nick Belane tomava isso direto em Pulp, quem, nada, Arturo, esquece.

Arturo riu

Deve ter sido por continuar a elogiar a vodka quando eu comecei a tomar Heineken, mas oras, é alcool ainda, eu não posso estar tão bêbado, eu não estou tão bêbado. Tem cigarro Arturo, não, só charutos, e eu neguei, charutos trazem más memórias, trazem cafetões, trazem aquela marca redonda que ainda arde na parte interior da minha coxa esquerda até hoje, mas eu avisei que não podia pagar tudo, eu nem sei se avisei, eu nunca mais vou fumar charuto, falei alto, Arturo tomou um susto e de repente aquela figura que parecia ter carregado de tudo nessa vida - mulheres, sacos de areia, quinquilharias, dor intensa, recuou a expressão como uma criança inocente, você viu Arturo, eu tenho minhas surpresas, então ele riu, e estranho, os ombros dele voltaram a pesar

Começou a chover, Arturo e eu na queda de braço, ele ria muito, e eu sou muito fraco, acho que todos os meus músculos foram tragados pelo meu vício em nicotina e só sobrou uma massa de gordura pronta para fazer pastel de carne, você gosta de pastel de carne, o que, foi meu impulso, ganhei de Arturo, filho da puta, fortão ou não, mais forte do que eu, era um homem frágil, mas não um homem vazio, mais forte do que eu, ele lutaria com a palmeira e só pararia dias depois pelo cansaço, eu passo longe da palmeira, o que você faz, Arturo, sou escritor e roteirita, você faz, aceito bicos e eu deveria estar enterrando uma faca no meio da sua testa, ele riu

O pior é que era verdade, diabos

Lembro quando aquela mulher de vermelho que não usava calcinha bateu na minha porta e disse que eu iria ganhar uma bolada se eu não deixasse esse sujeito escrever mais uma linha, ou então iria comer capim pela raiz, mas afinal, eu gosto de sujeitos que escrevem linhas, passei meu dedo pela mesa, senti a poeira se juntando, minha alergia vai começar daqui a pouco, o clima esfriando, a poeira juntando, Arturo não se abalava, ei Arturo, acho que vou morrer, não tive coragem de dizer isso, lancei aqueles olhares desesperados por compreensão, mas que acho que não foram feitos para serem compreendidos

Abri os olhos, finalmente, me levantei, cobri meu corpo com o casacão, já estava anoitecendo, mas pus óculos escuros, estava chovendo, mas acendi um cigarro, eu iria morrrer, mas Arturo iria esperar, Arturo iria perguntar, Arturo teria anos ruins

Ei, nem vai ajudar com a conta?

Foda-se, Bandini!, estiquei o dedo médio

Como eu sabia seu sobrenome, ele perguntou. Também não sei. A coxuda de vermelho não me contou. Olhei pra trás mais uma vez, sorrindo, vi ele conversar com Camila. Essa eu sabia o nome, tinha no crachá.

Soltei um peido, atravessei a rua, joguei o cigarro fora e nem vi o esgoto engolir

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Paris, 1972

Paris, o amor se esparrama por cada trecho das suas ruas. Amor é o que escorre dos lábios das putas e é o que abre suas pernas. Amor é a sífilis, são os mendigos mais orgulhosos que se podem existir, donos de todas as ruas, coroados com as estrelas. Me sentia abandonada por Paris, meu coração sóbrio de qualquer romantismo queria se embriagar com qualquer vinho, de incertezas sobre o dia que viria a amanhecer.
Entrei num bar, próximo da torre eiffel, meus olhos absorvendo cada particula das luzes, elas que me engoliam aos poucos. Sozinha, ria absurdamente perdida, como se Paris fosse inédita, como se nunca tivesse andado antes por aquelas ruas. Foi quando ele apareceu, talvez uns 48 anos, sempre tive sorte em advinhar com precisão as idades. Tinha os olhos puxados, o cabelo se escondia com rebeldia dentro do chapéu, os olhos se fixaram logo em minhas pernas, as cruzei para ter certeza. Sorriu como se fosse conhecida, talvez eu fosse, não existe destino. Existem as linhas mal traçadas, e em alguma delas, eu deveria ter cruzado mais do que as pernas com ele. Sentou-se próximo, puxou assunto, "você viu como ela está iluminada hoje? - Sempre está, mas só hoje consegui admirá-la - Dá para vê-la nos seus olhos, fica bem mais iluminada." Abusado, pensei, mas estamos em Paris, natural que todos queiram transar, todos querem se amar. No fundo, até acredito que todos querem ser felizes, até ele, Paris nos dá a chance e a opção da ilusão. Falou sobre a imundice da cidade "Paris tão bela, mas tão podre. Parece uma puta que conheci, Germaine, lindíssima. Mas quando abria a boca, o encanto se perdia. Exatamente igual". Estranhamente, já ouvi falar dessa Germaine, mas fiquei muda,devia ser impressão minha, tantas putas em Paris. "-A estadia no começo foi tão complicada, poucos souls, uma máquina de escrever. Fui alimentado por Russos, tinham tanta piedade de mim que as putas não me cobravam"
Conversamos sobre tudo, sobre minha repentina admiração pela cidade, da minha sobriedade em relação ao amor, e mais garrafas de vinho, céus, minhas pernas tremiam, eu quase dizia isso a ele. "Qual seu nome? - Henry, e o seu? -Tânia. - Tânias, ah, seria você a Tânia verdadeira? "
Tânia, Germaine... Não me era estranhos os nomes, será que, eu já as conheci? Ele me olhava com olhos de cão, famintos por qualquer pedaço de carne. O sorriso transbordava um sotaque americanizado, como se o nosso momento fosse algum filme americano promovendo Paris, turisticamente. Mas tinha certeza que esses nomes estavam ligados, como se fossem... PERSONAGENS! Porque não pensei nisso antes?
-Miller?
- O próprio. Agora posso te perguntar?
- Claro
- Posso te comer?
Disse sim, como poderia negar? Semana passada, um argentino me chamou de Maga, fiquei comovida, até lembrar de quem ela era. Encantada, fiquei. Outro escritor, despatriado. Dançamos tango enquanto a vida ria de mim.
Joguei a pedrinha no inferno, mas me conduziram ao Paraíso.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Amores Efêmeros 2

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Gleube Manganésfero de Sá Pretextata era um menino estranho.

Quando bebê não chorava. E mamava muito pouco. Só ficava olhando pra cara da mãe.
Engatinhou até os 6 anos de idade. Quando ia na rua, as crianças ficavam olhando aquele meninão engatinhar no chão sujo.
Quando começou a caminhar não brincou com bonecos. Nem com bola de futebol. Não brincava. Nem tinha amigos. Só ficava olhando pro nada. Quando sua mãe perguntava o que tinha, ele dizia que não tinha nada, que estava tudo bem.

Ele achava que nada tinha graça. Nada o interessava muito. Nem comida, nem amigos, nem meninas, nem meninos, animais, parentes, esportes, livros, ideias, profissões, objetivos. Nada.

Quando Gleube completou 16 anos de idade, sua vida mudou. Estava caminhando na rua, olhando para o nada, quando passou por uma vitrine. Seus olhos não podiam acreditar no que estavam vendo: um iPod.

Aquilo era a coisa mais linda que havia visto em sua vida. Seu coração começou a bater mais rápido, começou a suar frio e ficou todo arrepiado. Nunca havia se sentido daquela maneira antes, aquele estava sendo o momento mais emocionante que havia vivido até então.

Um dos vendedores da loja notou que havia um menino na vitrine da loja, com a cara colada no vidro, meio que babando e com o olhar fixado no iPod. Há uns 15 minutos.

-Olá! Posso ajuda-lo?
-...
-Er, gostaria de entrar na loja? Posso te mostrar o iPod que está na vitrine.
-...

Os dois entraram. Gleube estava com as pernas tremendo e com as mãos geladas. Mal podia acreditar que iria colocar as mãos naquele objeto divino.

-Aqui está!

Gleube segurou o iPod. De perto, em suas mãos, era mais lindo ainda que na vitrine. E achou sua textura maravilhosa. Era maravilhoso. Era perfeito. Era tudo que havia esperado sua vida inteira.

Gleube comprou o iPod.

Sua mãe notou que Gleube estava agindo de maneira diferente. Estava sorrindo mais, estudando com mais atenção. Passava as tardes trancado no seu quarto, estudando. Mas não tinha a menor ideia do motivo desta mudança superficial. Ela não podia notar a grande mudança interna de Gleube.

Mas Gleube não estava estudando mais. Ele na verdade se trancava em seu quarto e passava a tarde inteira segurando o iPod, sentado na cama.

Passou a ter sonhos estranhos. Estava sempre com seu iPod, e estavam sempre sozinhos no mundo. E nos seus sonhos ele sempre fazia mesma coisa: ficava a admirar o iPod.

Sua mãe começou a ficar preocupada com Gleube, mais que o normal. Ele só ficava andando com aquele iPod, de um lado pro outro. E continuava sem namorada e sem amigos. Suas notas escolares chegaram e ele havia sido reprovado em todas as matérias.

-Gleube, o que há de errado? Será que não gostaria de ir num psicólogo? Seu comportamento tem sido estranho.
-Estranho? Não, não. Está tudo bem, não se preocupe.

Naquela noite, Ernesta ouviu sons estranhos vindo do quarto de Gleube. Ela se levantou e se esgueirou até o seu quarto. Olhou pela fechadura.

Não podia acreditar no que estava vendo. Gleube estava fazendo sexo com o iPod.
Não pode se conter, e entrou no quarto.

-Meu filho!! O que isso?? Você está trepando com o iPod?
-Trepando não, mãe. Estamos fazendo amor.



...



Postado originalmente em 5 de junho de 2009
Pra quem quiser ler os outros "Amores Efêmeros":
http://somesentido.blogspot.com/search/label/Amores%20Ef%C3%AAmeros

sábado, 9 de janeiro de 2010

Fileira de Pólvora

"...Preciso um pouco dos seus maus tratos para borrar a maquiagem que o tempo criou."

~L.



Fileira de pólvora. Minha vida sangra.

Sidney chegou mais cedo com os seus óculos escuros. Já era tardinha, ouviu Bossa demais e quis vir aqui chorar um pouco comigo. Esteve todo este tempo navegando pelas escadas dos edifícios temíveis, escreveu pelas paredes tudo o que viu dentro do arco de mil cores, pintou de azul o nome de seu amor que há três dias desapareceu sem deixar carta com palavras cruas ou beijos entre as linhas sobreviventes do seu caos.

Lurdes distraia-se enquanto depilava, se era para sentir prazer que esta vida valia então que se desfizesse dos pêlos que deles não precisava. Mas não entende quando o seu rosto é surpreendido por uma lágrima tão clara quanto a do espelho embaçado do banheiro. Dias atrás, confessou arrastando-se pelas paredes numa madrugada dessas que planejava fugir com um novo amor para o oeste, para o centro quem sabe, o mais longe possível. Precisava se esconder até mesmo de si, todo este tempo soterrada num submarino a fez querer ser navio e cruzar o oceano.

Sidney não repara a minha distração, a privada interrompe a sua conversa. Mateus sai do banheiro fechando o zíper. Mateus olha desconfiado para nós dois e entra no quarto. Sidney respira como se fossem quebrar as suas costelas finas, deitado no carpete a água já ferve. O deixo lambendo as rachaduras do teto, como ele mesmo diz, é preciso sujar. Enquanto Mateus me fode no quarto, Sidney escova os dentes com a minha escova. Enquanto Mateus goza, Sidney termina o seu café e vai embora.

- O que fez com o cabelo que te deixou assim tão sem graça.

- Não fiz nada, Mateus. Mas bem, algo que você não consiga ver com esses seus olhos. Plásticos. Você transa como se tivesse um pau de plástico aí. Sabia?

- Quê?

- Esperei este calor de junho amenizar para dizer que não o amo e nunca o amei. Se transei com você todos estes dias foi por falta de um pai que me batesse quando criança e me colocasse no meu devido lugar. Mas não, padres rabugentos me ensinaram a masturbar. Devidamente. Desta fileira nada mais sai, retire tudo que tem no bolso e pode ir.

Agora, tenho motivos para chorar nas quartas feiras, sem Mateus, mas com toda a coca engarrafada, esperando a novela para poder dormir e recomeçar novamente.

Se Sidney não tivesse aparecido de novo, eu choraria nas quartas. Estava de barba feita e usava um terno branco, segurava uma flor vermelha, a mesma que a vizinha reclamou. Será que acaba de ouvir Chico? Ou Nara? Isso definia o seu humor nas próximas xis horas. Mas não, ele veio com outro hálito. Dizendo de esquecimento. De poesia. Algumas escrotices velhas. De arte nova. Transcendências e o caralho. Não entendi, nunca entendo. Deixei então que me comesse na pia e acabasse logo com aquele papo.

Ali a vida parece bela, quando os olhos criam um peso insuportável e desejam ceder, e o peso dele parece uma pluma em cima do meu que se faz ancora no chão sujo de sangue. Uma única bala do revólver guardado debaixo do carpete. Mateus veio buscar o que ele pensara que fosse dele, enquanto Lurdes deixa em meus ouvidos o primeiro e último sinal de vida: um grito de amor.


- Para Katrina.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Vão de Dois

Quanto mais solitária, melhor a negra, mais o blues corre em seu sangue farto do chicote e do punhal nas costas rígidas, como o coração que ali tatuou. Alberto está sempre com a língua grampeada no céu da boca ou livre demais para conseguir completar uma frase que faça sentido para se justificar diante do espelho que Solange colocou no fim do corredor. Ele pisa nos cacos para chegar até ela. Arranca os dedos para pegar o seu olhar esguio e não chega ao fim. Foi quando ela descobriu e tomou todos os comprimidos da pia azul piscina do banheiro. Cheiro de sangue no piso gelado, manchas vermelhas no porta-retrato e no fundo das unhas dele. Lágrimas que desentopem uma vida.


Pare você e suspire um pouco.


Solange confere as fechaduras, toma choque na tomada da televisão em cores -novidade na vizinhança. Não corre do estilingue dos meninos, pois deixa que eles espiem na fresta da janela o quanto em cores as atrizes parecem mais belas. Abre a boca em bocejo e sorri por não estar cansada, deixa cair leve riso ao pensar que um dia do ano vai tirar para dormir por todos os dias de insônia quando chega a confundir o seu rosto com o rosto de Alberto. Se pega desejando que suba a vida em coma quando quer mesmo que a rotina caia. A sua agenda é do ano passado, economiza em alguns meses quando tira para adormecer no caminho, espaço sobra para anotar algumas receitas, frases que escuta e promoções do varejo. Quando a sua cabeça esvazia, veste a capa do poeta e inventa algum verso para preencher a lacuna da lista de telefones.


Vire as costas para o tempo

Como a poeira que acumula no quarto

Os versos que fiquem esfriando junto à massa que cresce

Para o molho acrescente vinho

Água destilada no armazém

Pingado para os filhos


Quando depois do crepúsculo e a janta terminar, peço leves bofetadas para o prazer ser maior que o desespero de encarar o silêncio de mais uma noite. Se gozar, engrossa o sono.

Quando na fábrica, debruça no outro para não morrer naquilo, em fúria gasta meia página com o que ela chama de desaforo:

Parafuso para cada rosca. Sem ver lá dentro os dedos já alcançam os furos. Mais apertado fica o sólido sorriso e o peito erguido para encaixar as pernas que nunca se aproximam. Não esquece dos braços plásticos e a moldura para cintura fina não sangrar nos trilhos. Engole a saliva com gosto de ferrugem enquanto ajusta o macacão do patrão. Das iguais infinitas a caixa mais bela é tão bela quão a outra que desce para a reciclagem. Isso traz felicidade numa vida já perdida na vida dos outros e paga apagando o choro. E se encaixam nas caixas e nos lábios do sorriso que está preso à caixa, mas quando abrem a carcaça de plástico não há nada e descobrem o vazio de sua felicidade.

E ele ainda pelo chão escuta Com açúcar, Com afeto, encarando o espelho partido. Quando enfim deixa o corredor, sangra a testa da pedrada do estilingue. Os garotos riem enquanto ele recolhe as maçãs da feira. O sorriso vem mais leve quando o sangue reencontra os dedos. Quando engole o xingamento, lembra que fumava e não se lembra porque parou, foi quando se perdeu no silêncio dela? Engasga com a ânsia pela fumaça. As maçãs escorregam até o esgoto. Reencontra com o cigarro como se abraçasse o filho que Solange abortou.

Primeiro cigarro, abre o sorriso com a queimadura no punho. No próximo, desliza a fumaça cinza com goles amargos. Primeira lágrima após a enxurrada, a única sincera. Do bêbado que dorme, retira o jornal da semana que se foi: Jovem que se matou do andar mais alto, parece-lhe feliz no caixão.

Quando seca as lágrimas no cabelo de Ana Maria, mente em dizer que são por Solange, mas na verdade são dos lábios desprendidos dos cravos ao redor daquele rapaz que se matou logo no alto. Ela apenas abre a mão sem palavras no bolso, que lhe pague então por engolir sem orgasmo e sem lhe causar emoção alguma com as únicas palavras sussurradas ao pé do seu ouvido.

Ele imagina estar longe, quando não mais escuta a respiração do motor deles. Não se achou na volta, pois dessa vez o caminho era se perder. Ir longe para olhar mais perto o buraco que ajudara cavar em seu peito. Encosta nos galhos das baixas árvores, para sair do asfalto e se embrenhar na mata fechada, bastou a promessa do fim. Toda sombra que lhe sugeriu paz, fez escuro o seu olhar, antes pálido, agora oculto.

Entra na mata fechada provando do gosto quente da nascente entre a mangueira alta e o corpo estranho da coruja. Um olho da sua mãe e o outro da Solange. Deixa que lhe observem enquanto se desvela dos panos que lhe cobriam para o mundo, já se banha na nascente com os pés sentindo o fundo com pedras lisas, deixa seu corpo perder pela correnteza. Tudo se mede pela imprecisão do escuro. O seu corpo já desaguado em lagoa fria, podia sentir cada vibração parando e o sangue agitando para provocar o brilho de volta ao seu olhar.

Agarram-lhe firme pela cabeça. Unhas grandes afundadas em seu crânio, lhe retiram de dentro aonde não estava. Se depara agarrado na borda da banheira com o coração pulsando na boca. A mão que lhe puxara para fora foi a mesma que apodrecia ali fronte o seu olhar incrédulo? Não! Arriscado em morrer sem primeiro se achar o fez instintivamente agarrar à borda e fechar os olhos dela ainda abertos. Para cada jarro um adubo diferente, relia a última anotação dela que adormecia no vão dessas palavras.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Minha Vagabunda Preferida

Ok, então, lá está ele, em frente a um computador, sabe-se lá fazendo o que, diz ele que está tentando escrever. Meu reflexo, um reflexo de computador, mas que pessoa malditamente feia, meu deus, digo eu que estou tentando escrever aqui vai um diálogo sensacional jogo aqui uma reviravolta que ninguém pensou, no parágrafo adiante estarei usando prefixos e superlativos que só enriquecerão minhas frases e vocês verão meu nível quase europeu, ah sim, que está lá fazendo ao invés de correr por aí sabe-se lá fazendo o que vivendo de toda a vida pulsando de todo o sangue querendo explodir trepar beber sangrar gritar vomitar expulsar e talvez tudo de uma vez, mas é isso aí, ele permanece escrevendo, há uma palavra com a qual ele está tentando se confrontar e os dois já estão brigando há muito tempo e ele está pensando em uma das suas antigas conquistas e ele vê que conquista não teve alguma que conquista, filho da mãe, não há conquista quando acaba mal, isso me faz pensar, só não vá escrever isso no papel, que nunca houve nenhuma conquista, tudo está encaminhando em uma grande vala de genocídio e poluição do que adiantou os ideais franceses, e do que adiantaram as três cores – da França, da Nossa Bandeira, do que adiantaram as estrelas e listras do primeiro mundo que jogou bombas e napalm e agente laranja por aí então que vazio é esse, ele sempre se pergunta, que vazio é esse, se é falta de vagabunda, dessa bela chamada palavra dessa bela chamada letra que é bonitinha mas é ordinária como diria o grande Nelson Rodrigues ou seja lá diabos quem tenha dito isso é tão incomensurável veja, só, bonitinha, pequena, graciosa, todo mundo quer beija-la, mas ordinária, todo mundo quer beija-la e todo mundo a come, isso que falta, afinal das contas, parem com esse papo de bela dama, parem com essa burguesia, que dama, nobreza ou aristocracia, isso aqui é um patrimônio de pobre, quem deveria ser permitido a ler era só gente com renda de menos de 500 é uma grande vagabunda dá pra todo mundo não gosta de gente que presta gente que presta dá muito trabalho gente que presta você empresta eles para as lojas para eles serem manequins para eu poder invejar como eles são brancos como eles são europeus como eles são cristãos ah que porra nenhuma, vai dar pra todo mundo que essa é a sua felicidade, rebole em milhares de dedos que apertam o clitóris de suas páginas e inundam o mundo com aquele sabor meio peculiar que é a nossa língua roçando com a língua de todo mundo que todo mundo deveria falar mesmo que fale errado mesmo que seja a maior putaria eu não quero nem saber, já me foi perdido o interesse por essa mediocridade essa frivolidade essa falta de parcialidade, de calor, de poder, enfim, fazer tudo o que eu escrevi no início dessa porcaria, tem mais é que gritar mesmo, grita que ouvem, no meio da noite, quem liga de acordar alguém quem liga se você vai atrapalhar quem está lendo alguém tããão europeu que estava lendo alguma frase elaborada ah não vem se estivesse lendo Dostoievski estaria de porre e não bebericando champagne – e –é –isso, talvez eu seja extenso demais talvez eu devesse aprender o estilo das frases sucintas mas se fosse assim que graça teria, eu te amo mulher de todos, deita comigo essa noite, eu juro que o bafo de vinho já passou

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Novela I

Eu era pobretão, tinha barba, cabelo comprido, óculos, aparência duvidosa, olhar mentiroso, a cara sarcástica e estava ficando velho. O tempo estava bom, cortei as unhas e escovei os dentes... Fiquei apresentável. Estava meio cético... Seco e insípido, eu era o puro entretenimento. Nesse dia especifico eu estava chamando a atenção, acho que minha camisa estava ao avesso. Ela era tímida, mas gostava de ver o circo pegando fogo. Tinha os cabelos lisos e as idéias enroladas... Era muito interessante e sabia prender a minha atenção. Achou minha boca bonita e veio falar comigo só para ver ela se mexer. A gente ouvia Schubert, falávamos de rock e assistíamos filmes antigos. Era amor demais, transbordava o quarto... Inundava a casa. Ela gostava de falar de si e expor seus pequenos casos de consciência, suas varias delicadezas morais. Comigo ela não pensava em nada triste e me achava talentoso apesar do meu charlatanismo quase indecente. E ela tinha o brilho para enxergar meu lado escuro. Em um domingo depois do almoço, sai de carro para tomar uma cerveja e dirigi durante muito tempo até São Paulo. Nunca mais voltei pra casa. “Chefe, quanto tá a Serra Malte?”. Eu nunca decorei o nome dos donos de boteco... Sempre chamo eles de Chefe, Campeão ou Valdir. “Serra Malte é cinco”. “O que tu tem de mais barato aí?”. “Malta sem gelo deixo por 1,70”. Me trouxe uma e pedi para deixar mais três abertas na mesa. Passei o resto da noite bebendo cerveja ruim e arrotando derrotado.





BNC 23/03/09





Frase (texto) Laranja da Quarta Feira:


"Eu tinha tantos problemas que se eles se equivalessem a grãos de areia eu já teria construído um deserto a minha volta... E todo dia ele aumentava. Eu bebia, olhava as sombras e as luzes silhuetar o mais belo rosto que já vi. Assimilei com um apetite incrível e insaciável todo movimento e ate os pequenos olhares dela... Que alias correspondem tão exatamente as minhas necessidades, tanto que posso compará-la a um remédio. Há sete meses venho experimentando uma espécie de calma, uma espécie de equilíbrio... Minha vida assumiu uma doçura sistemática, onde nenhum dia se passa sem que eu tenha noticias suas. Afogada em livros ou em travesseiros, talvez, mas pensando em mim. E se eu dissesse que te conheço bem mesmo passando a maior parte do tempo longe? E se eu dissesse que essa distancia faz eu te querer por perto o tempo todo?"


Junker (carta de 7 meses de namoro 01/08/07)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Tango #2

Você me tira para dançar com os teus olhos que me engolem para além de você, jamais para dentro, onde provavelmente eu estaria confortavelmente esperando a próxima contra-dança abraçada ao teu coração. Envolve apenas meu corpo, repudia o que não faz parte. Piso em seu pé, peço desculpas, você mal pode me ouvir, não pelo volume desse tango, mas pela distância que nos separa. Aproveito e digo aquele eu te amo que borbulha em meus lábios, só para que eu jamais me arrependa depois de nunca tê-lo dito á você. Piso novamente em seu pé, com a ponta finíssima do meu salto alto. Que você sinta, por um leve instante, o que eu sinto todo o tempo dentro do peito quando o seu peito no meu encosta. Mas ele se quebra, caio dos teus braços, me sinto no chão. Seus olhos dizem que é lugar de onde eu jamais deveria ter saído. Claro, alçar vôos mais altos do que o céu da sua boca, me causariam alguma queda.

Você ainda vai me convidar para uma próxima dança.
Concederei minha costas, não mais minhas mãos.

Amor nos olhos dos outros, nos meus, arde.

(em algum lugar, minha saudade tira São Paulo para dançar a nossa canção. Em meio ao congestionamento de emoções, ela atravessa não se importando com os sinais abertos nos cruzamentos de pernas e sorrisos. Destila um tango rasgado como inúmeras tentivas de poesia e

Morre
dentro de outra poesia)

domingo, 3 de janeiro de 2010

Adeus Ano Futuro

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O ano está no fim. O calendário me disse:

-O ano está no fim.

Mas... quem disse? Quem falou que o ano está terminando? Poderíamos dizer que este ano está chegando no começo, e que iremos alcançar o final do próximo ano. É uma questão de ponto de vista. Não podemos nos deixar influenciar desta forma.

As pessoas todas se reúnem, se vestem de branco, ficam tomando champagne, e quando o relógio bate 00:00 começam a gritar loucamente:

-AAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH

Todas estão com uma ideia semelhante. Logo, ninguém irá recrimina-las por isso.

Eu me olho no espelho, enquanto todos se embebedam. Ouço o som dos fogos. Os pés batendo no chão. A gota de suor que escorre pela minha testa. Mas... quem disse que a gota está escorrendo na minha testa?? Por que não EU que estou subindo enquanto a gota se mantém parada? Continuo me olhando no espelho. Quem é o observador, e quem é o observado? Não há como saber. Ambos possuem movimentos iguais, expressões iguais, sentimentos iguais. Mesmo que se quebre o espelho. Qual realidade foi quebrada? A minha ou a do reflexo? Não é possível de avaliar. O espelho pode ser apenas uma divisão entre os dois mundos, o de lá, e o de cá. E como saber se eu que sou o reflexo? Por que não se considerar o refletido no espelho? Podemos nós ser o reflexo, e o espelho o mundo real. É relativo, o que é, e o que não é. Tudo que é, é por que queremos. Se não queremos, não é. Muito simples. Todo pensamento gera uma realidade concreta. Caso mudemos de pensamento, mudamos a realidade. Você pode dizer que poderíamos pensar em algo que...

-Rafael, abre a porta do banheiro! - uma voz grita espancando a porta - Sai daí!

Eu abro a porta. Mal a imagem da garota se forma em meu cérebro, logo, tornando-a real, um jato de vômito acerta o meu rosto. Ela me empurra e enfia a cabeça no vaso sanitário. Mas, foi o vômito que me acertou, ou fui eu que me lancei contra o vômito? E é ela que está vomitando, ou é o vômito que a expulsa para longe dele mesmo?

-Ah, me desculpe - ela diz envergonhada, enquanto lavo meu rosto.
-Tudo bem, não foi sua culpa. Embora, por um lado... hum, esquece.

Vejo que ela me olha com desejo. Conversamos um pouco sobre coisas que não fazem muito sentido, coisas que não deveriam fazer sentido, nem precisariam fazer. Logo estamos sem roupa, transamos dentro do banheiro vomitado. Mas quem seduziu quem? Para seduzir é preciso se deixar seduzir pelo outro, de certa maneira, o que torna as coisa um tanto relativas. E por que a porra sai de dentro de você? Por que não você que está sendo ejetado da porra, a uma alta velocidade? Quem sabe seja isso que cause a sensação prazer. E...

-Vamos, as pessoas devem estar se perguntando onde nós estamos.
-Ok.

Do lado de fora, o calor e a embriaguez tomam conta do ar. Meus tímpanos ressoam a música que percorre o espaço separador entre eu e a as caixas de som. As pessoas sorriem, emboram não saibam direito o porquê. A Terra se afasta rapidamente dos fogos, fazendo com que explodam longe do chão. Logo o sol vai aparecer. E o sol vai continuar sendo o sol, e a garça estará sempre em cima das nuvens. Pois, afinal de contas, tudo é uma questão de ponto de vista.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Por debaixo da cicatriz desses anos empoeirados


Feito a poeira nos móveis/O tempo deixou uma casca aqui por cima/Passou ligeiro pelas saias-girassóis/Escorreu nervoso nos cabelos tingidos/Derrubou folhas, perfurou estátuas/E foi/Alguém não dança no baile da despedida/Desafiado/Perdeu todos os sonhos/Está atrás da máscara de pavão/É triste, como não?/Trouxe consigo o Blues que não toca/E toca somente uma canção, ele nem se lembra qual/Talvez por debaixo da ferida ainda sangre, mas por cima tudo era ausência.


Sopro


Não sei onde estão as horas

Os dias, os locais, o que fiz,

Quem beijei.


Nado vendado ao desencontro da ilha.

Só.

Deixo o som escorrer despercebido.


Esvai como nuvem vazia.

Os deixo sem.

Deixo-os um sopro.


Nunca os terei.


Blondie nos ouvidos. Não estamos animados para recomeçar o que não acabou. Estamos no meio, ainda giro no olho do furacão. Não entendo, preciso sair disso e olhar para as nuvens, descansar com a Rita os olhos no pasto, cantar como ela num backing vocal desafinado. Não estou errado quanto o que sangra em meus dedos aflitos. Um relógio adiantado, você já está lá. Te observo com meu binóculo moderno que te reflete como uma imagem distorcida de tudo meio-antes-depois. Você sente o que vou sentir, enquanto fico atrás assustado, você já debocha de tudo. Não cheguei, fiquei atrás aonde o sonho foi mais longe. Então não te tive como queria. Pelas metades, pelas beiradas das ruas e em seus olhos. Se você entendesse que não declamo para ninguém o que sempre te digo, grudaria em minha mão e não largaria jamais. Nunca mais fingiríamos. Quero casa. Feito naquela música Masculino, Femino, sabe? Do Erasmo? Sim. Nossa fama de mal vai bebidas abaixo quando a carência da falta de um bracinho nas costas se faz urgência em nossas vidas. Mal vividas. Pelos cantos, feito os nossos sorrisos falsos embriagados. Queria você aqui. Começando realmente, buscando fielmente um câncer no peito que preenchesse esse vazio de bazuca que causamos nesses últimos anos exaustivos. Sem o nosso instante de dois. E que possa ainda quando os fogos nos cegarem uma mãozinha doce apertar a minha esquiva solidão e por fim desaparecermos de todos os corpos alegres e mudos. Surdos entre túneis de nossa pele ardente de uma leveza estranha. Sempre nessa tentativa lúcida de medir tudo em leveza e em peso. Já poderíamos esquecer de tudo e virarmos a esquina, comprar mais cigarro e nunca mais voltar. Enterrar isso que fomos já tão gasto no cemitério de animais deles, traçando e pisando nessas ruínas. Porque somos assim: animais tristes na teia, diamantes duros e distantes. Indefesos, às vezes empurrados por um cata-vento, uma onda mais forte. Noutras sobreviventes de naufrágios e remédios para dormir. Cuspimos sangue no calendário e riscamos nossos dramas em folhas pautadas, arriscaríamos em uma contagem regressiva um poema antigo que não fale de amor só para afirmar existência longe disso. Teria mais certeza da tolice que passou por aqui. Isso que só tem a pretensão em ser um beijo em bitmap, palavras camufladas para muitos e só um entender. Sentir. Sorrir ou chorar decepções. Mas sempre de lábios colados cantaremos uma canção que fale por tudo e acharemos belo quando nossas mãos já se encontrarem sozinhas no escuro. A minha esperança na vida ainda é essa paixão escondida. Por debaixo da cicatriz desses anos empoeirados.