sábado, 2 de janeiro de 2010

Por debaixo da cicatriz desses anos empoeirados


Feito a poeira nos móveis/O tempo deixou uma casca aqui por cima/Passou ligeiro pelas saias-girassóis/Escorreu nervoso nos cabelos tingidos/Derrubou folhas, perfurou estátuas/E foi/Alguém não dança no baile da despedida/Desafiado/Perdeu todos os sonhos/Está atrás da máscara de pavão/É triste, como não?/Trouxe consigo o Blues que não toca/E toca somente uma canção, ele nem se lembra qual/Talvez por debaixo da ferida ainda sangre, mas por cima tudo era ausência.


Sopro


Não sei onde estão as horas

Os dias, os locais, o que fiz,

Quem beijei.


Nado vendado ao desencontro da ilha.

Só.

Deixo o som escorrer despercebido.


Esvai como nuvem vazia.

Os deixo sem.

Deixo-os um sopro.


Nunca os terei.


Blondie nos ouvidos. Não estamos animados para recomeçar o que não acabou. Estamos no meio, ainda giro no olho do furacão. Não entendo, preciso sair disso e olhar para as nuvens, descansar com a Rita os olhos no pasto, cantar como ela num backing vocal desafinado. Não estou errado quanto o que sangra em meus dedos aflitos. Um relógio adiantado, você já está lá. Te observo com meu binóculo moderno que te reflete como uma imagem distorcida de tudo meio-antes-depois. Você sente o que vou sentir, enquanto fico atrás assustado, você já debocha de tudo. Não cheguei, fiquei atrás aonde o sonho foi mais longe. Então não te tive como queria. Pelas metades, pelas beiradas das ruas e em seus olhos. Se você entendesse que não declamo para ninguém o que sempre te digo, grudaria em minha mão e não largaria jamais. Nunca mais fingiríamos. Quero casa. Feito naquela música Masculino, Femino, sabe? Do Erasmo? Sim. Nossa fama de mal vai bebidas abaixo quando a carência da falta de um bracinho nas costas se faz urgência em nossas vidas. Mal vividas. Pelos cantos, feito os nossos sorrisos falsos embriagados. Queria você aqui. Começando realmente, buscando fielmente um câncer no peito que preenchesse esse vazio de bazuca que causamos nesses últimos anos exaustivos. Sem o nosso instante de dois. E que possa ainda quando os fogos nos cegarem uma mãozinha doce apertar a minha esquiva solidão e por fim desaparecermos de todos os corpos alegres e mudos. Surdos entre túneis de nossa pele ardente de uma leveza estranha. Sempre nessa tentativa lúcida de medir tudo em leveza e em peso. Já poderíamos esquecer de tudo e virarmos a esquina, comprar mais cigarro e nunca mais voltar. Enterrar isso que fomos já tão gasto no cemitério de animais deles, traçando e pisando nessas ruínas. Porque somos assim: animais tristes na teia, diamantes duros e distantes. Indefesos, às vezes empurrados por um cata-vento, uma onda mais forte. Noutras sobreviventes de naufrágios e remédios para dormir. Cuspimos sangue no calendário e riscamos nossos dramas em folhas pautadas, arriscaríamos em uma contagem regressiva um poema antigo que não fale de amor só para afirmar existência longe disso. Teria mais certeza da tolice que passou por aqui. Isso que só tem a pretensão em ser um beijo em bitmap, palavras camufladas para muitos e só um entender. Sentir. Sorrir ou chorar decepções. Mas sempre de lábios colados cantaremos uma canção que fale por tudo e acharemos belo quando nossas mãos já se encontrarem sozinhas no escuro. A minha esperança na vida ainda é essa paixão escondida. Por debaixo da cicatriz desses anos empoeirados.

3 comentários:

  1. Genial, o tempo corrói, camufla as coisas a ponto de não conseguirmos reconhecê-las. Não sei se isso é bom, mas o fato é que tudo de que gostamos está num passado, irrecuperável.

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  3. Disco repete e a paixão se esconde no refrão das músicas, sem coragem de abrir a boca.

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