sábado, 9 de janeiro de 2010

Fileira de Pólvora

"...Preciso um pouco dos seus maus tratos para borrar a maquiagem que o tempo criou."

~L.



Fileira de pólvora. Minha vida sangra.

Sidney chegou mais cedo com os seus óculos escuros. Já era tardinha, ouviu Bossa demais e quis vir aqui chorar um pouco comigo. Esteve todo este tempo navegando pelas escadas dos edifícios temíveis, escreveu pelas paredes tudo o que viu dentro do arco de mil cores, pintou de azul o nome de seu amor que há três dias desapareceu sem deixar carta com palavras cruas ou beijos entre as linhas sobreviventes do seu caos.

Lurdes distraia-se enquanto depilava, se era para sentir prazer que esta vida valia então que se desfizesse dos pêlos que deles não precisava. Mas não entende quando o seu rosto é surpreendido por uma lágrima tão clara quanto a do espelho embaçado do banheiro. Dias atrás, confessou arrastando-se pelas paredes numa madrugada dessas que planejava fugir com um novo amor para o oeste, para o centro quem sabe, o mais longe possível. Precisava se esconder até mesmo de si, todo este tempo soterrada num submarino a fez querer ser navio e cruzar o oceano.

Sidney não repara a minha distração, a privada interrompe a sua conversa. Mateus sai do banheiro fechando o zíper. Mateus olha desconfiado para nós dois e entra no quarto. Sidney respira como se fossem quebrar as suas costelas finas, deitado no carpete a água já ferve. O deixo lambendo as rachaduras do teto, como ele mesmo diz, é preciso sujar. Enquanto Mateus me fode no quarto, Sidney escova os dentes com a minha escova. Enquanto Mateus goza, Sidney termina o seu café e vai embora.

- O que fez com o cabelo que te deixou assim tão sem graça.

- Não fiz nada, Mateus. Mas bem, algo que você não consiga ver com esses seus olhos. Plásticos. Você transa como se tivesse um pau de plástico aí. Sabia?

- Quê?

- Esperei este calor de junho amenizar para dizer que não o amo e nunca o amei. Se transei com você todos estes dias foi por falta de um pai que me batesse quando criança e me colocasse no meu devido lugar. Mas não, padres rabugentos me ensinaram a masturbar. Devidamente. Desta fileira nada mais sai, retire tudo que tem no bolso e pode ir.

Agora, tenho motivos para chorar nas quartas feiras, sem Mateus, mas com toda a coca engarrafada, esperando a novela para poder dormir e recomeçar novamente.

Se Sidney não tivesse aparecido de novo, eu choraria nas quartas. Estava de barba feita e usava um terno branco, segurava uma flor vermelha, a mesma que a vizinha reclamou. Será que acaba de ouvir Chico? Ou Nara? Isso definia o seu humor nas próximas xis horas. Mas não, ele veio com outro hálito. Dizendo de esquecimento. De poesia. Algumas escrotices velhas. De arte nova. Transcendências e o caralho. Não entendi, nunca entendo. Deixei então que me comesse na pia e acabasse logo com aquele papo.

Ali a vida parece bela, quando os olhos criam um peso insuportável e desejam ceder, e o peso dele parece uma pluma em cima do meu que se faz ancora no chão sujo de sangue. Uma única bala do revólver guardado debaixo do carpete. Mateus veio buscar o que ele pensara que fosse dele, enquanto Lurdes deixa em meus ouvidos o primeiro e último sinal de vida: um grito de amor.


- Para Katrina.

Um comentário:

  1. Essa vida que sangra, esse sangue que explode. Esses corpos que nem se pertencem e se invadem. Um dos meus favoritos, como se isso fosse possível

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