Até amanhecer, os olhos dela continuarão os mesmos, e você terá o terrível desejo de parafusá-los. Sua mão dentro deste poço se perderia, sua vida em pó e o pó no ar seria. Tem aqueles pés que procura um deserto, uma voz que soa igual ao vento que invade o quarto.
Como uma vida dentro de uma concha encoberta por um oceano. Deixe que lhe toquem, Valéria.
Eu sei que ela escreve nas paredes brancas antes de dormir, que não corta as unhas, e rabisca num caderno que fica na última gaveta logo abaixo das calcinhas. Quem foi que soprou o seu castelo de cartas, Valéria? Era lá em que seus sonhos dormiam.
Nem mesmo se dez anos passassem atrás das janelas de madeira ela não se perguntaria o que foi feito. Valéria esqueceu do tempo e vive dentro do sono de um recém nascido. Recolhendo-se como se aceitasse o destino, todo um mapa entalhado em sua mão. Cortando o meu caminho com seus traços precisos, fatais. E como senti.
Há vida
Dentro dos potes
Acaso trago-lhe doces
Retirando o sal que encarde o céu da sua boca
Vermelho como aquelas tardes do ano passado em que me perdi
Você dando-me a mão, retirando a garrafa entre os dedos, me levando ao pântano.
De nuvem dizem ser feita. Vapor e distância. Valéria deita novamente na cama. Não sabe o motivo da noite a não ser para sair dali e cair em uma estação perdida com trilhos enferrujados num lugar nunca preenchido. E se veste para sair, e se perfuma para ficar de braços cruzados olhando a lâmpada que pisca. Lobos no quintal vigiam.
Eu
Nunca lhe entendi
Valéria a que respira conforme o dia
Me disse que não amaria mais
Andando sem medo por aquela estrada de pedra e mato
Saindo da minha vida como se desse um passo para dobrar uma simples esquina.
Estou ali, naquele cheiro de mofo grudado na parede, no mesmo silêncio impressionista. E as cores morrendo todas. Até as pálpebras fecharem, você terá o terrível desejo de com uma faca rasgá-las.
É que seu peito descansa da respiração sofrida, seus lábios embranquecem ao longo da noite perdida, teu corpo enrijece, apodrece. Apodrecida sob a cama, lobos no jardim uivando para o sol que nasce.
Vejo
A luz minguando
Dentro de si a voz que desvela
E dentro do silêncio das palavras não ditas um borrão num papel
E é o papel, e é o borrão, corpo. Parede, olhos e noites.
Cinzas do qual sobram, frias testemunhas. Valéria em noite desfazia.
Lembro.
*Conto escrito no ano de 2008.
Lembro.
Leandro, desde 2008 sendo a porra do maior escritor da minha geração, não obstente, minha alma gêmea.
ResponderExcluir"Sua mão dentro deste poço se perderia, sua vida em pó e o pó no ar seria."
isso martelou em mim
Me levando ao pântano.
ResponderExcluirLi teu texto ouvindo Wilco, tristíssimo, e se me levou às lágrimas foi porque há ali pegadas de desilusão, um labirinto de não ser compreendido. Obrigado, pelas palavras, por trazer em cada linha uma vida inteira que foi e agora está desbaratada, sobre a mesa, ainda pulsando, mas ligeiramente morta.