sábado, 8 de maio de 2010

Vitória Régia no Pântano

O jornal da madrugada repete notícias que pelo o dia martelaram a minha cabeça, agora quase adormecidas tem em palavras fatiadas um vazio para que entre um som e outro caiba um bocejo. A jornalista não pisca para não perder a letra que sobe. Eu não pisco para não desmoronar. O homem baleia bateu o recorde do antigo homem peixe, horas mergulhado numa banheira o medalhou da cabeça aos pés em flores, fotos nos jornais e artigos pelo dia, à noite ele morre devagar alcançando o fundo dos seus sonhos para depois se erguer no esquecimento.

Ana veio e retirou o copo de suco que pela metade pendia em minhas mãos formigantes. À noite elas aparecem em grupo, estão reunidas e buscam tirar esse meu corpo isopor do lugar, mas desistem ao não entender a leveza do peso e perdem a batalha para os dedos dela que massageia esse pedaço de pano sujo, eu ali, boca aberta e corpo apodrecido, afundando na miséria. Um dia ela disse que era preciso parar, desabotoar a camisa, desatar os cadarços e avançar pela correnteza. Chegou e tampou os meus olhos dizendo que no escuro me amaria sem culpa. Viramos a esquina num nó de garganta e dedos preocupados.

Tenho medo do pântano, mas estou lá me equilibrando em vitórias-régias com a cabeça vasculhando o fundo da garrafa. Não sei que esperança cabe num equilíbrio se o que preenche é a imensidão submersa. Mas me vejo do alto com dúvidas, recortes de jornais no bolso, pedaços de notícias de falecimentos diários. Anulado, procuro resquícios. Num quase desequilibro tento retirar de dentro da garrafa um pedaço de papel que meus dedos não alcançam. Como se nela estivesse a porta para voltar, a quebro na cabeça.

Ana me disse que o seu limite é esse. Jogou o copo na parede para que eu a escutasse. Não tinha como eu todo o marasmo de um passado e não conseguia se apoiar em mais nada, como eu me apoiava e seguia como um homem com uma grande fé. Amor corrói, não é corte estancado, é britadeira quebrando o asfalto. Seu suspiro encostado na parede meio atônita com cacos nos dedos me faz desdenhar e fechar novamente já com o pedaço de papel dentro da garrafa eu leio.

A noite é ferida
Falecer da esperança
Sem fé, sem vitórias,
Sofrimento.
O fogo me queima
Sem sinais, sem rastros,
Apenas decadência.

A carne está pútrida queimando no deserto
Pesar silencioso que me corrói
E a morte:
Vitória-régia no pântano,
Sussurros profanos.

Desejo de ti
Lágrimas de anjos caídos,
Benevolências postas na poeira,
Desconcerto.

Desça até a lama
Que nos cobre
De ti apenas beleza
Fria palidez
Requintar de luxúria
O tilintar da dor
Solidão...

Termino-o sussurrando num entressonho já com ela apontando um dos cacos para mim. Pergunto se é para eu mastigá-los. Ela ri dizendo que de poesia não entendo e que poeta nunca fui. Mesmo que tenha lhe dado uma rosa por dia, embebidas em garrafas de Gim, não lhe dei como sustentar os seus olhos em sonhos. Agora se dizia forte o suficiente para com aquele caco perfurar ainda mais esses meus olhos já tão escuros. E cava com o vidro a minha retina desfocando o seu rosto em lágrimas cristalinas.

- Não, amor, não foi só mais um sonho. Trisca em mim e vai ver que ainda enxerga.




Para entender: Conto escrito nessa semana, poema escrito por mim no ano de 2006.

Um comentário:

  1. Você só é genial. E isso é apenas um sonho muito real, tecido de todos os amanhãs

    ResponderExcluir