sábado, 27 de fevereiro de 2010

Meio Laranja Cinza Blue

Há um rabisco, no verso dessa folha que diz. Versos não vêm em forma de cálculos. Na cabeça de um elefante. Em pára-quedas? Estão nas hélices de um cata-vento. A fina camada. Cataventos.


Não tem data. Mas tudo por aqui. Está assim. Frases cortadas, versos quebrados. Uma palavra jogada em um canto barrado dessa parede. Me faz voltar.


Pouso novamente. Ergo o olhar junto com os ombros, encaro o meu quarto, o retrato velho de moldura oval, reencontro com a linha que gera o equilíbrio e não faz disso mais uma passagem em um sonho, a neblina abaixou. E estou de pé. Já encoberto por todos os erros, todas as bandeiras foram usadas. Estou bem aqui, ouço uma cantora que desconheço, escrevo em cima de uma capa de disco e bebo uma cerveja para me concentrar, você pode me ver?


Acordei às 17 horas, pude sentir o pulmão da casa respirando sem o peso dos pés deles. O telefone surpreende, não faço questão alguma de atendê-lo, minha língua dormente não corresponde ao chamado dessa cabeça que mais leve não se prende a coisa alguma. No centro, há um espelho que mora um corpo estranho, como se me olhasse de um microscópio e não reconhecesse esse mundo perdido. Deixo os olhos na parede, retorno para minha sinfonia. A sola áspera toca a cerâmica marrom. Cavo com os pés o mesmo caminho.


Tenho me ocupado muito ultimamente. Meu médico disse para parar com os comprimidos e voltar ao maracujá. Levanto para virar o disco. Ele confia no seu diagnóstico, eu confio no meu desespero. Que volta a cada dia cumprido de sentimentos nulos, subtraindo-me em equações de ego em ego. Os olhos inertes, presos por xícaras e xícaras de café que se perdem, ocos e vazios. Quando os vejo assim de montes, aglomerados entre crianças chorando, com as mãos no bolso ou segurando a alça de uma bolsa, eu me escondo atrás de uma pele grossa, um couro de jacaré. Encoste em mim com esse seu olhar tão questionador que passo por cima com o peso de eras que um réptil possui.


Mas acalma. A pior das engrenagens movimentaria. Com esse som que ensurdece o peito e rebate por todos os poros sem se perder pelo vão da janela.


Quando cheguei perto demais, ela disse que eu a escamava com uma faca amolada a mesma que ela retocava o batom e me dizia me beija de lábios cor de rosa. Quero sim mastigar cada pétala dessa flor em seu cabelo, dividir o maço, dar um abraço suado no intervalo e não dizer adeus como você disse. Perto deles, somos bichos selvagens, um leopardo escalando uma árvore, fugindo da mata densa. Amantes são seres solitários e se perdem em dever do outro, um sacerdócio, junto com a quebra de uma lei vem à cassação da alma, decapitações de cabeças. Ela me disse que não jogaria a toalha, não desceria o véu, que ali dentro estava confortável, protegida da chuva, das pedras.


Cheguei aqui ao menos. Não fiquei nas pedradas, nos socos, nas pontas dos pés dos garotos. Nos olhares esquivos, dos vários nãos, da projeção medonha de várias pessoas. Empurrei a corrente e o que se arrastava na ponta era a carcaça do mundo. Que muitos dizem carregar nas costas. Mas que de tempos em tempos, eu o fazia de bola, saco de pancada, massa de modelar. Não sei o que me tornei. Essa criatura medonha, capa preta e rua escura?


Querer amanhecer com motivo foi um risco. Perde-se o tempo exato das coisas. A respiração abafada pela correnteza do afogado. Às vezes eu mergulho, corto de leve esse pano, essa pele, e deixo o sangue acomodar entre os dentes. Ana C olha para mim como olhava um corpo de um poema. Ela mesma disse. O que sentiria ao abrir o gás de cozinha.


Batem na porta do quarto. Minha mãe chegou e eu não tinha percebido. Ela bate de leve, como se não desejasse mas por força maior do hábito assim realizasse. Vou até ela. Não a entendi. Seus olhos pesavam, bolsas de sono penduradas. Segurava um terço nas mãos, passou por mim e apagou a vela embaixo do retrato oval, fez o sinal da cruz, pegou os remédios na gaveta e entrou pelo corredor. Não deu nó a minha presença. Ouvi, que esteja em paz, de sua boca.


Troco o disco. A música é a mesma. E fala de saudade, amores doentios, perdidos, despedidas sem abraços, abraços vazios, bebidas, ácidos, prédios abandonados no centro da cidade, solidão. Abro a janela e me misturo com o crepúsculo, a sua cor é a cor da minha pele, meio laranja cinza blue.

3 comentários:

  1. Tenso como toda solidão ... a solidão é isto ... algo meio laranja cinza blue ... tudo se torna monótono e triste, até o respirar dói e já não conseguimos ouvir canções ...

    bjux Leandro ... amei isto

    ;-)

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  2. foi como sair de um aquário. ainda estou me adaptando a vida aqui fora. depois de um tempo sem postar nada inédito. uns dois meses sem escrever quase nada.

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  3. NOSSA,
    FANTÁSTICO guri.
    sabe , acho que terei que reler alguns bocados de vezes para conseguir comentar algo que não seja medíocre.
    Na verdade , o cheiro desse conto me incita ao silêncio.
    Muda falo mais.

    PARABÉNS, PARABÉNS!

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