quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Poeira de estrela

Às vezes eu fico me perguntando porque eu fico parado na rua, olhando vitrines vendendo qualquer bobagem, lembrando de uma melodia perdida. Ouço discos e mais discos e não consegui lembrar qual seria a música. Percorro o bafo de uísque de Tom Waits, topo com as guitarras de Pete Townshend, fumo uns cigarros com Dylan que me empurra três copos de café enquanto lamenta das mulheres perdidas, e volto à realidade quando a pilha acaba. Qual era o diabo da música? Ouço então a dodecafonia dos carros, pessoas e cachorros e acho que o café está começando a fazer efeito - café faz efeito de fato ou não? - não consigo manter as mãos no mesmo lugar, e talvez essa seja a hora do dia mais fácil de se perder em pensamentos banais, como por exemplo, pensar qual é o seu propósito nesse mundo. Se esse mundo tivesse propósito, eu fumaria cigarros de filtro vermelho? Eles são percebidos em dois tempos por esses donos de bar que não nos deixam fumar na propriedade deles. Isso é ditadura. Mas como eu estou violando o espaço deles, talvez eu seja um antidemocrata.

Isso acontece com todo mundo? Elas não podem começar a chorar que minha mente começa a viajar por aí lembrando do que eu fiz ontem. Isso não é covardia? Eu não deveria imediatamente tentar fazer com quem ela parasse de chorar? É, eu sou um covarde. Ela vai virar a mão na minha cara. Eu fiz merda. Por que não dá pra fazer nada nessa hora? Mãos no ombro são repelidas. Palavras serão ignoradas. Quase como se ela tivesse sido recortada da existência e eu fosse o único a acreditar nela. Como se eu fosse uma criança tentando consolar o Papai Noel. Comparação meio ridícula, eu sei, porque o bom velhinho não bebe tanto assim. Nem acende um cigarro na guimba do outro, como acabou de fazer. E também acho que não há espaço para tristeza no mundo dele.

Entre nós...? Ah, direto. Será que nós estamos tão distantes assim? Se é assim porque continuamos juntos? Por que ainda vamos na locadora juntos? Fazemos a merda que for juntos? Como ainda existe tesão entre nós?

- Sabe. Uma vez pensei que eu fosse morrer. Estava tossindo muito, meus dedos estavam amarelados, minhas gengivas sangravam sem parar. A indisposição era infinita, até para esticar o braço e pegar um cigarro. Só o que eu queria era esfregar os olhos até acordar. Não conseguia. Uma sensação mórbida me dominou e eu pensei, que merda, minha hora chegou. Acho que estou desfalecendo. Então tive vontade de escrever. Não fiz nada, apenas fiquei movimentando os lábios e falando palavras sem nexo. Ninguém ouviu. Mas inventei uma história. Nela acontecia o que acabou de acontecer. Eu chamava pelo nome... Você sabe, da minha ex. A resposta para isso deve estar em algum empirismo, mas eu simplesmente não sei responder ao certo porque, afinal de contas, eu disse isso. Mas no final a gente acabava bem.

Ela já havia parado de chorar, mas continuava de cabeça baixa. Quase não dava para ver que seus lábios se movimentavam.

- E uma história muito brega.

- Qual é o mal disso? Quando a gente vai na locadora a gente quer ser traído? Não, a gente só pega os filmes que a gente sabe que vão terminar bem. Se não termina bem, nós alugamos a parte dois. E isso me dá a esperança. De você ver que, no final das contas, eu não sou uma pessoa tão ruim assim. Eu só sou um babaca confuso.

Ela concordou com a cabeça.

- Mas é uma história um tanto sem estrutura.

Eu sorri.

- Pós-modernidade, você sabe. Subversão dos clássicos. Acho que é porque eu nunca tive muita noção ou timing. Não sei administrar muito bem a dramatização. Quando ele deve começar ou terminar. Mas eu lembrei quando você tava deitada lendo alguma revista qualquer de música e eu estava fumando o primeiro cigarro do dia. Estava tocando uma música que eu não lembro agora. Tentei lembrar de qualquer jeito, mas ela não veio. E não estava esse calor dos infernos, você sabe. Estava uma brisa fresca, gelando o meu rosto. Não sei se eu criei isso na hora ou se isso realmente aconteceu. Mas foi a única lembrança que eu consegui me agarrar de quando, sabe, senti que a vida poderia ter um instante perfeito e que eu não sou indestrutível, apenas... passional. Minha memória não é muito boa, mas até que eu sei o que eu quero. Ir no cinema, ver a comédia romântica boba da semana.

- Não é algo muito masculino de dizer, você sabe. - Um sorrisinho irônico, pela primeira vez em horas.

- Ah. Foda-se.

Ela riu.

Ah, lembrei!

My Funny Valentine.

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