Não fecho os meus olhos há seis meses. Há seis meses não sei o que é escurecer. Vejo tudo e não vejo nada. Um mar morto pousa frio nas minhas vistas dilatadas, sinto o seu gosto plástico quando transborda e alcança o meu sexo também dilatado, esse mar tem a função besta de ainda dar vida a essa gelatina, ovos cozidos eles dizem e tentam simpatias, orações, agulha, grampeador, mas eles somente tentam, fecham as janelas para me confortar. O que sempre me cobriu nunca foi sentido que ali um dia esteve, e não faz falta, ainda tenho dentes.
Meus dentes caem como dados no asfalto. Chão frio, ar quente. Não preciso descrever para entender. Primeira martelada e os dentes no chão, justamente os meus? Aqueles em que obstinado mastigava o meu cigarro, o meu fardo, meu isopor. Por enquanto, o meu coração fica no armário, junto com os dardos, guardo como caixinhas de música que não tenho. Três dentes levam os demais firmes também ao chão. Já sentiu esse gosto? Perco os meus dentes como os fortes perdem a cabeça. As sobras tocam o chão e já rendidas sem raízes seguem, caminham embriagadas no asfalto e se escondem dos carros como temessem a vida que não possuem. O mar morto em meus olhos se desprende tão quente como lava até tocar o meu.
Que martelado se destroça na mão de quem me mutila aos poucos. Então porque não foge? Deixa assim, fazerem o que quiserem com o que queiram. Não importa. Minha cabeça é baixa, mais baixa de quem levanta o martelo e afunda a última orelha que me sobra. Não tenho força o suficiente para martelar alguém e me livrar desse poço. Ainda persisto. Tento o grito, mas aqui dentro o vazio faz ecoar somente algo fino rebatendo pelas vastas dimensões ainda ocultas. Por mim? Mentira. Essa mão lá fora aproveita o silêncio feito na minha cabeça e bate com força de rinoceronte em cada dedo do pé, o asfalto se racha e com a luz do poste apagada vira um mar de piche onde tonto de dor mergulho. Há ainda um corpo que limita, um espaço para dor, uma medição de fronteiras, o sinto formigando com a dor o ultrapassando e agora sim posso dormir com pregos.
Então aproveita para me prender de vez a minha cama de pregos, aprofundando a pele que resistiu no metal frio abrindo cada lasca sem gota de sangue para amenizar. Para cada batida um último suspiro. O que fica é o que desprende, mais forte, ainda se mantém. Para enfim, com a última martelada, eu já preso entre os pregos, meus olhos sorrirem em paz e se fecharem, por dentro, tudo se fechando, caixa entre caixas, para logo mais o último fiapo de luz cansar e se apagar. Nada mais falta.
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