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Carnaval é dia de coisa podre. De muita gente suada e música alta tocando pela cidade. Foda-se se você não gosta de samba. É carnaval. Ele vem e te invade, não há nada a ser feito. Ele toma o país como uma peste. Temos somente de aceitá-lo, sem lutar muito para não sofrermos ainda mais. E ai de quem não o acolher. Sofrerá a maior das dores sociais. Será excluído e considerado alheio às atividades das pessoas normais. Mas com algum esforço podemos fingir bem, sem que os fiscais nos repreendam.
-Vamos para a Lapa. Vai ter mulher pra caralho.
-Tem mulher em todos os lugares.
-Sim, mas lá vão ter muitas, e querendo sexo. Sexo fácil.
-Todas as mulheres querem sexo, umas mais, outras menos.
-No carnaval é bem mais fácil, todas as travas sociais femininas vão por água abaixo.
-Mas eu vou ter que aturar aquela música; e aquelas pessoas bebadas e nojentas.
-É o preço que se paga.
Chegamos na Lapa. A rua está meio vazia, pelo menos para um dia de pré-carnaval. Há muitos policias, e pessoas gritando. Brigas de mulheres, e pitboys correndo atrás de pivetes para lhes dar porrada. E o som. Muito quente também. Assim que botei os pés na rua já estava ensopado. Aquele som, todas aquelas vozes berrando. E a música. Pelo menos tinham uns rocks e funks tocando pelos bares.
Andamos e nos encontramos com algumas pessoas que nos aguardavam.
-Vamos, o bloco fica naquela direção.
Andamos e andamos, mas nada de bloco. Depois de caminhar em meio aos bêbados, travestis, seres indefiníveis, homens bombados até a alma, mulheres sem travas sociais, bosta, vômito e fedor, resolvemos nos comunicar com outros aventureiros já anteriormente alocados no ambiente hostil.
-Ele disse que o bloco é na Rua do Lavradio.
Caminhamos mais até encontrar a tal rua; e com ela a multidão. O bloco; O Bloco Humano. As pessoas se juntam o máximo possível e permitido dentro de limites higiênicos coletivamente pré-programados em seus inconscientes. E conduzindo o transe coletivo , o som. O som que dita o ritmo cadenciado dos corpos no espaço, mesmo que este seja ínfimo. Me pergunto por que não faço parte desse transe induzido. Será que tomaram algo? Certamente, mas nada que eu não tivesse ingerido. O liquido dourado e gelado, lubrificante social. Cerveja, para os menos íntimos.
Mas havia algo mais, algo que conectava as mentes hipnotizadas de forma embriagante; algo que não se pode ver nem tocar. Uma reação coletiva sem explicação. Se tentassem emular de alguma forma não daria certo, há de ser espontânea. Seja talvez este o poder do Bloco Humano: criar essa eletricidade sociologicamente perceptível, mas não compreensível.
-Isso aqui está um saco.
-Ah, cara, deixa de ser um chato!
Calor, calor, som, o som, gritos. Esse cheiro de sovaco e suor está começando a me incomodar. Me pergunto como o transe coletivo consegue se manter por tanto tempo. Não há nada que quebre o seu encanto? Talvez essa mistura dos sons, cheiros, ritmos, e gostos seja um tanto poderosa. Somente alguém alheio à realidade paralela deste encontro para conseguir se desvencilhar do transe.
-Aê, to meio cansado, acho que vou embora.
Os outros me olham sem compreender o sentido de minhas breves palavras. Seus olhares vazios e impessoais revelam a força do transe a que estão submetidos. Ainda tento elaborar em cima do que disse, expondo razões mais concretas como o fato de estar com dor nos pés, ou estar ficando com sono, o que não adianta de nada. Seus rostos mantêm a mesma expressão de confusão como se estivessem ouvindo um animal que tenta sem sucesso estabelecer comunicação racional com humanos. Já desesperançoso em ser compreendido, me afasto poucos momentos depois. Aos poucos vou me distanciando do Bloco Humano, e assim, reencontrando pessoas que aparentam estar na mesma realidade que a minha.
-Opa, e aí, acho que já vou indo pra casa. E vocês?
-Nós vamos para o bloco. Claro.
Incrível. A força magnética do Bloco Humano é imensa, capaz de capturar pessoas a uma grande distancia de seu centro, como um poderoso buraco negro faria com a poeira espacial das redondezas. Vejo meus conhecidos marchando sonambulicamente em direção ao Bloco, acompanhando o ritmo dantesco que ecoa pelo ar, originando essa dança diabólica que impregna os corpos em movimento.
Lá vou eu caminhando em direção à minha casa. Já vejo agora os primeiros raios de sol da manhã que se anuncia. Ao longe posso ver que juntamente com a chegada da luz, o Bloco começa a se dispersar. Talvez este seja o antídoto para o despertar.
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domingo, 7 de fevereiro de 2010
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pois então ... já fui impregnado e dominado por esta força avassaladora ... mas enfim ... hoje prefiro o meu canto mesmo ... um uísque, um jazz e um amor na cama ...
ResponderExcluirbjux
um super fds ... sem esta maluquice coletiva
;-)
Tava lembrando de um ateu que acredita em Deus. Diz que quando muitas pessoas acreditam numa ideia, ela se torna verdadeira. Associei.
ResponderExcluirEu também não sei o que é , mas o bloco humano tem esse poder mesmo!
ResponderExcluirserá o lubrificante social? ou as putas? ou os travestis? ou todo mundo mesmo?
sei lá.
abraços!
Sabe o que é isso menino?
ResponderExcluirÉ que nós somos pessoas de jesus, essas coisa tudo aí que você falou são as tentação dos demonho, mas agente somo forte e ficamo de fora dessas coisa pagã rorosa.
Que bom, minino, que jesus toca sua alma também, menino di coração puro você, viu?