domingo, 30 de maio de 2010

Fascinação

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-E aí, foi tudo bem lá dentro?
-Foi.
-Me conta com foi.
-Eu entrei dentro da sala. Então abri minha calça e tirei meu pau pra fora.
-Sério??
-Sério.
-E aí?
-E aí eu comecei a mijar.
-Que isso, cara, como assim?
-Pois é, fiz isso mesmo.
-E não sujou tudo?
-Sujou só dentro do vaso. Já tinha um pouquinho duma água lá dentro.
-Ah, já estava sujo então.
-É, outra pessoa já devia ter feito isso antes.
-Saquei.
-Então foi isso, eu fiquei lá, tranquilão, mijando tudo mesmo dentro daquele vaso branco.
-Incrível.
-Depois disso ficou um cheiro um pouco estranho.
-Imagino.
-Então vi que tinha um botão prateado ao lado desse vaso; o acionei.
-Botão? E aí, o que aconteceu?
-Cara, deu um barulhão; fiquei muito assustado. Me escondi atrás de uma cortina, com medo que voasse água em mim, mas quando o barulho terminou, vi que estava tudo bem. O vaso havia se livrado do meu mijo.
-Meu deus, mas isto é impressionante.
-Sim, o mijo desapareceu, ficou apenas a água que já estava antes. Quer dizer, este vaso mágico se utilizou de algum processo metafísico para fazer desaparecer minha urina.
-Isso foi a história mais fascinante que já ouvi.
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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Resumo da Vida Profissional do Junker

Bom, a primeira vez que trabalhei foi quando eu tinha 13 anos, ajudando meu pai. Meu pai era (e ainda é) motorista, ele tem uma kombi. Eu o ajudava a descarregar, sempre tentei fazer todo o serviço sozinho, mas ele sempre mandou eu ir mais devagar. Minha principal lembrança dessa época é de uma carga para um hospital, eram galões de 25 litros de detergente, eu pegava um em cada braço e meu pai brigava comigo e me alertava que eu ia ficar “rendido”.
Aos 14 comecei a trabalhar em uma farmácia. Eu ia lá depois da aula, chegava as 13 e ficava ate às 19, sábado das 10 às 17 e domingo das 10 às 15. Todos os dias era a mesma rotina: Chegar e passar pano no chão, limpar os vidros, lavar o banheiro e a sala da injeção, tirar o pó das prateleiras, ir no banco, ficar no caixa e balcão e fechar a farmácia. Eu ganhava um salário mínimo, na época eram R$150,00. Fiquei oito meses nesse emprego.
Com 15 anos entrei no C.A.M.P. (Círculo de Amigos do Menor Patrulheiro) é uma espécie de curso profissionalizante para escritórios. Eles ensinam os garotos a abaixarem a cabeça e agüentar chefes idiotas à troco de quase nada. Nunca arranjei um emprego por causa deles.
Então decidi entrar na ETE (Escola Técnica Estadual) fiz um curso de 18 meses de eletrônica. Lá aprendi a beber de verdade e fiz alguns de meus melhores amigos.
De alguma forma muito estranha, eu que me formei no curso técnico de eletrônica acabei arranjando um emprego de mecânico. Com dezoito anos recém completados entrei em uma empresa de frascos plásticos. Eu desmontava, montava, regulava, consertava... maquinas sopradoras. É uma máquina grande e enche o saco. Fiquei nisso cinco anos. Eles pagavam bem, mas eu trabalhava muito. Lá bati meu recorde de 22 horas trabalhando sem parar (esse é um dos causos que eu mais conto em qualquer tipo de conversa).
Depois que eu saí desse emprego, já com 23 anos resolvi estudar. Fiz o enem e consegui bolsa na Belas Artes, a lendária bolsa da Belas Artes, eu ia fazer artes plásticas. Mas como eu gosto de comer e beber cerveja boa, resolvi pegar a bolsa do Mackenzie e fazer direito (esse é outro causo que conto quase diáriamente, principalmente pelo fato de eu só ter vendido um quadro depois de entrar na faculdade de direito).
Peloamordedeus, escolham um tema para semana que vem... senão eu vou colocar um resumo da minha vida sexual. E o texto vai ser bem menor e mais chato que esse.

Lista laranja e sem sentido de todos os livros que eu tenho no quarto nessa sexta feira:

Bukowski
O amor é um cão dos diabos
Notas de um velho safado
Factótum
Cartas na rua
Hollywood
Fabulario Geral do Cotidiano I e II
Pulp
Numa Fria
Textos Autobiográficos
O capitão saiu para o almoço
Vida e Loucuras de um Velho Safado (biografia Howard Sounes)
A mulher mais linda da cidade
Misto quente

Allen Ginsberg
Uivo e outros poemas

Hunter S. Thompson
Screwjack
Reino do medo
Medo e delírio em Las Vegas
Rum: Diário de um jornalista bêbado

Salvador Dali
Diário de um Gênio
Sim, ou paranóia
Confissões inconfessáveis
La obra pictórica
Libelo contra a arte moderna

Kid Vinil
Almanaque do Rock

Florbela Espanca
Sonetos

Sylvia Plath
Poemas
A redoma de vidro

Caio Fernando de Abreu
O ovo apunhalado
Fragmentos

Henry Miller
Tropico de câncer
Tropico de capricornio


John Fante
1933 foi um ano ruim
Sonhos de Bunker Hill

Pedro Juan Gutierrez
Trilogia Suja de Havana

Jack Kerouac
On the road

Jann S. Wenner
Lembranças de Lennon

Kurt Cobain
Mais pesado que o céu (Biografia por Charles R. Cross)
Fragmentos de uma autobiografia (por Marcelo Orozco)
Journals

Jean Paul Sartre
A Nausea
Esboço Para uma teoria de emoções

Augusto dos Anjos
Os melhores poemas

Aristóteles
Ética a Nicomaco

Lon L. Fuller
O caso dos exploradores de caverna

Clarice Lispector
A legião estrangeira

Paulo Lins
Cidade de deus

Alberto Carlos Almeida
A cabeça do brasileiro

Gabriel Garcia Márquez
Memórias de minhas putas tristes

Machado de Assis
Ressurreição
A mão e a luva
Dom Casmurro
Helena
Iaiá Garcia
Casa velha
Quincas Borba
Esaú e Jacó
Memorial de Aires


Howard Sounes
Dylan - A biografia


Eu não li nem 1/3 disso tudo...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

- negue as idéias que pôs em seus livros ou queimará na fogueira santa da redenção pentecostal.
- antes eu queimar do que os livros, né?
- não, eles também vão pra fogueira dependendo da sua escolha.
- então se eu negar, nem eu nem eles nem eu vamos pra fogueira?

domingo, 23 de maio de 2010

A Nave do Imperador

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Estava andando na rua quando encontrei Côlintra.

-Olá.
-Ei, quanto tempo.
-E aí, que tem feito?
-Ah, nada de mais, e você?
-O de sempre.
-Soube que você se formou.
-Sim, agora vou começar minha tese de mestrado.
-Sabe, eu...

Então o céu se abriu e a nave espacial dos Felenômeros adentrou a atmosfera terrestre.

-AHAHAHAHA! Terráqueos, curvem-se diante de mim! Estamos oficialmente invadindo seu planeta!

-Como ia dizendo, ouvi dizer que tem um curso muito bom na sua área, só que fica lá em São Paulo, é o...
-VAMOS! Estou esperando! Rendam-se e façam parte do meu poderoso império.
-Me falaram que os professores de lá são excelentes.
-É mesmo? Poxa, olha, tenho que ir agora, me liga que conversamos mais sobre isso depois.
-CALEM-SE. Estou começando a perder a paciência.

Olhei para baixo, a nave dos invasores tinha o tamanho de uma caixa de sapato. Resolvi lhe dar atenção.

-Ei, seu mané, fica quieto aí. Que saco, eu tentando conversar e você falando merda sem parar.
-Olha como fala com seu novo imperador! Exijo mais respeito.
-Você não exige porra nenhuma. Acho melhor você ficar calado, antes que eu resolva esmagar você e a sua nave.
-Eu não faria isso se fosse você.
-Vamos ver.

Então pisei na sua nave. Acordei nove anos depois, acorrentado.

NOVE ANOS DEPOIS

-Oh, onde estou?
-Finalmente, pensamos que você não iria acordar mais.
-Mas o que isto significa? Por que estou acorrentado?
-Você pisou na nave do imperador.
-É, eu pisei naquela coisa ridícula.
-E agora está sendo punido! Ficará acorrentado para sempre como exemplo para os outros.

Examinei as correntes. Notei que eram feitas de um material semelhante a isopor.

-Bom, vou embora - e destruí as correntes.
-Oh, não! O que está fazendo!

Então a criatura ridícula acionou um alarme. Logo apareceram outras criaturas ridículas que começaram a atirar em mim coisas que pareciam ser bolinhas de papel. Dei um chute e matei as 15 criaturas que me incomodavam. As portas eram muito pequenas para que eu pudesse passar. Para fugir dali tive que derrubar as paredes, o que foi fácil, aparentemente eram feitas cartolina. Logo achei a sala do imperador. O agarrei em minhas mãos.

-Agora eu quero ver, seu filho da mãe. O que vai fazer??
-Não, por favor, não me mate!!!
-Eu não entendo, tudo aqui parece ser ridículo, me atiram bolinhas de papel, as correntes são de isopor, as paredes de cartolina... Como conseguiram me prender aqui por nove anos?
-Bom, na verdade, quando você pisou na minha nave ela explodiu, o que fez você tomar um susto, cair pra trás, bater a cabeça numa pedra e desmaiar. Arrastamos você para uma de nossas prisões de segurança máxima e o mantivemos preso. Só tivemos de enganá-lo a respeito do tempo, para que quando acordasse se resignasse e não tentasse fugir. Mas agora estou vendo que não deu muito certo...
-E quanto tempo se passou?
-Meia hora.

Esmaguei o imperador entre meu polegar e o indicador. Acordei 17 anos depois.

DEZESSETE ANOS DEPOIS

-Oh, onde estou?
-Você está preso.
-Mas como assim?
-Aquele não era o imperador. Era apenas uma armadilha. Quando esmagou o verme, ele soltou um veneno que o fez desmaiar.
-Sei.

Tentei me soltar mas dessa vez não consegui.

-Hum, estou vendo que dessa vez me prenderam com correntes de verdade.
-Sim, agora você está na nave do imperador.
-Ah, então vocês construíram outra.
-Outra? Como assim?
-Outra, eu esmaguei a nave do imperador 17 anos atrás.
-Não, não liga pra esse calendário. Ele está errado. Você está aqui há cinco minutos apenas.
-É mesmo?
-É. Você está ouvindo isso?

Do lado de fora estava havendo uma discussão. Olhei para a janela da nave e me vi.

-Você não exige porra nenhuma. Acho melhor você ficar calado, antes que eu resolva esmagar você e a sua nave.
-Eu não faria isso se fosse você.
-Vamos ver.

Então eu esmaguei a nave do imperador e me matei.
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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sick, Six, Dick

Sou mais velho em minha cabeça, em lindos ternos velhinhos, em pedaços. Me fecho como o punho de um bebê... Me diz que eu estou um trapo. Sorriso de anjo, lesma obesa... te encho até transbordar. Se rompeu com violência no horizonte. Sonhos que tenho e que não são meus. 21 anos. Subirei à superfície todas as noites... Conquistando amizades com a sensualidade depressiva que me envolve. Não me alimento mais e vivo de todas as vitaminas do álcool. Podre quem amo... E o corpo que enchi de beijos. Podre quem ama o podre. De longe ainda ouço o mar se movendo como um gemido e passo os dias pendurado numa cruz sem nome... Até que meu ultimo pedaço suma no bico de um abutre sem mãe.

Frase laranja de sexta feira:
"Eu não gosto desse texto, mas são 5:49 e eu ainda não dormi"
Junker

domingo, 16 de maio de 2010

Tecnologias e Imagens de Cavalos

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-O que você tá fazendo aí?
-Ah, já vou desligar, sei que estou atrapalhando, nada de mais, estou jogando.
-Ah, joguinhos, né? Eu não entendo nada dessas tecnologias novas. Minha neta passa horas jogando no computador. Ou escutando música. Se não está fazendo isso, está procurando cavalos, imagens de cavalos.
-Provavelmente ela faz isso tudo ao mesmo tempo.
-Ah, é possível fazer isso, né? Que incrível, é uma pena que eu tenha tanta dificuldade em aprender. Só não entendo essa fissura em computadores e tecnologias novas. Antigamente não precisávamos de nada disso. O máximo que tínhamos em casa eram um daqueles televisores antigos.
-Mas a tecnologia facilita nossa vida.
-Sim, mas também não precisava de tanto. Daqui a pouco até pra namorar vocês vão querer uma tecnologia nova.
-Não, aí também não! Vou preferir à moda antiga, haha.
-Tomara. Assim como meus filhos, espero que também não entrem nessa. Daqui a pouco vai surgir, sei lá, namorada robô. Aí não vão querer mais sair de casa, vão ficar transando o dia todo com o robô.
-Não creio que as coisas cheguem a esse ponto.
-Nunca se sabe. Ninguém imaginava que fosse possível mandar uma mensagem pro outro lado do mundo em questão de segundos, há 200 anos atrás. Queria muito conseguir fazer isso, pena que não tenha saco pra essas máquinas.
-Não consigo entender isso, vocês mais velhos não conseguem usar computadores. Não conseguem fazer nada que envolva novas tecnologias. Já a geração mais nova tem uma facilidade impressionante; também, eles nasceram fazendo isso. Tem que ver minha filha, ela também faz tudo ao mesmo tempo, fala com os amigos, escuta música, pesquisa para trabalhos da escola, faz downloads de discografias e filmografias inteiras. Nossa, essa geração é realmente esperta. Perto deles, vocês parecem não saber nada do que é atual.
-Nós não sabemos, é verdade. O que você tem que lembrar é que foi a nossa geração que inventou essas tecnologias. Se não fosse por nós, essas coisas não existiriam. Mas a minha pergunta é: será que a nova geração estará preparada para as tecnologias da geração seguinte? Assim como nós, acho que só na próxima reencarnação.

Enquanto conversavam, a neta do senhor procurava imagens de cavalos. Ela fazia isso para depois mostrá-las a seu avô, que adorava cavalos. Dois dias depois o avô se suicidou, para que renascesse mestre nas novas tecnologias ainda por vir. Tecnologias que a neta nunca poderia ter a capacidade de dominar.
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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Eu, pinguim

Eu estava com 40 anos e fodido. Sempre quis exercer uma atividade artística, por anos tentei pintar, escrever ou fazer musica; depois tentei só escrever... Por ser menos cansativo. Mas eu era muito ruim, sério... As coisas não tinham nexo, sentimento, a semântica cara... Era um problema.
A tentativa de me tornar escritor, aliado com a minha alergia ao trabalho... Tornou-me um completo vagabundo. Eu não conseguia escrever nada que pudesse ser lido e eu gostava de beber. Nisso eu era bom, as pessoas paravam para me ver beber, aí eu tentava vender um livro:
“Ola, você gosta de poesia?”
“Saí fora, seu chupa pica!”
Eu não tinha dinheiro, e a bebida mais barata era uma pinga a base de alho, trinta centavos o copo americano cheio! Consegui pagar três, um outro vagabundo pagou mais duas para mim.
Eu tinha pirado e me mijei.
Estava suado e tremendo. Cachaça maldita! Fui rastejando pela região do Anhangabaú, e entrei em uma caixa de papelão que estava na rua (era enorme! Deve ser de geladeira, ou coisa assim). Eu estava tentando respirar, mas eu estava suando e morrendo de sede. O sono apertou, senti um cachorro mordendo minha perna e alguém chutando a caixa e mandando eu sair. Eu não conseguia responder, e o sono estava incontrolável.
Acordei com uma vagina enorme me cuspindo. Não, foi uma cesariana. Eu estava nascendo da ferida de uma mulher que eu amava e isso me fazia chorar com toda raiva do mundo. Eu tinha virado um poeta!
Eu nunca pensei que a gente reencarnasse imediatamente, foi tudo num piscar de olhos. A minha vida ia ser melhor, eu estava louco para escrever... Eu tinha sentimento, eu transpirava isso do meu corpo pequeno e enrugado. Por falar em corpo, eu nasci com um pênis normal, mas meu saco era enorme e roxo. Essa não era a única deformidade, eu nasci sem pernas, meus pés estavam na cintura e meus braços eram curtos demais, eu parecia um pingüim sacudo. Quando eu percebi isso chorei por três dias sem parar.
Enquanto eu era um bebe foi tudo bem, aprendi a escrever com quatro anos, eu era um gênio! Mas quando eu comecei a andar, Jesus Cristo! Meu saco arrastando no chão áspero, me tornando eunuco passo a passo. Era pior quando eu tropeçava no saco, eu chutava meu próprio ovo e caia de cara no chão.
Aos quinze eu publiquei meu primeiro livro, e vendeu muito bem. Mas eu não saia da cama, meu saco era cheio de feridas e meus bagos estavam me matando.
Eu nunca consegui chegar à conclusão de qual coisa é pior: ser um fracassado sem talento que não consegue andar de tão bêbado ou ser um gênio pingüim que pisa no saco a cada passo que tenta dar.

Frase em Laranja da sexta feira:
"Se quiser trapar, vá à faculdade. Mas se quiser aprender alguma coisa, vá à biblioteca"
Frank Zappa

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O coração de sábado à noite, dois

- Por que é que eu tive que vir junto, mesmo?
- Porque... porque... ora, sei lá porque, porra
- Ele não poderia escolher um lugar melhor?
- Nisso eu concordo. Boate pra quê, porra? Odeio esses lugares cheios de merda
- Não é isso, rabugento, ou melhor, quase isso, eu passei a adolescência inteira fugindo dessas botas de couro, cintos com detalhe em ouro e escovinhas luxuosas marchando para o banheiro para cheirar umas fileiras e correndo lá pra fora para vomitar na rua
- Ora, vá lá, não é de todo mal, vai que uma dessas piranhazinhas juvenis daqui não tenha um acesso existencialista e resolva escrever um livro sobre como a juventude é fútil?
- Bem que ele poderia ter marcado no boteco da esquina
- Nisso eu concordo

Duas almas velhas atraindo olhares curiosos e temerosos, mas não muitos, a maioria daqui, é claro, está com a mente muita atordoada para conseguir pensar qualquer coisa, para efeitos práticos é tipo dormir, se desligar do mundo, tomar balinhas, meter pó narina adentro, ouvir música eletrônica e esse lixo que o hip hop atual virou, pessoas batendo botas e sapatos e tênis com força no chão, fofocas sendo traçadas ao meio de gritos sussurrados, daqui a pouco irá rolar uma confusão do caralho, e as duas almas velhas já estão bebendo há tempo considerável e esperando o filho da puta

- Viu só, eu te trouxe porque você não poderia deixar de perder esse belo espetáculo, Fogueira das Vaidades; um bom filme de Brian De Palma
- Não vi esse, é com quem?
- Tom Hanks, Bruce Willis e Morgan Freeman
- Tem certeza que já não passou na televisão?
- ... tem a Melanie Griffith no auge da gostosura
- É sobre o quê?
- Ah, um ricaço de Wall Street indo pro Bronx por engano
- Sério? Nenhum suspensezinho? E a Nancy Allen?
- Você tá virando lésbica?
- Aposto como Vestida Para Matar é melhor e...

Acabamos não conseguindo continuar conversando porque o dj filho da puta disparou aquela música sobre uma garota beijar a outra, musiquinha antiquada do caralho, ela não acredita, mas procurando na internet dá pra encontrar vídeos sobre isso de 1910, estudando a história grega dá para encontrar dados sobre Lesbos, então tenho uma ligeira impressão que há um atraso de cem a cinco mil anos nessa porra de música

E chega o filho da puta com um chapeuzinho branco exatamente como ele falou que ele viria, até chego a rir de escárnio, porra, está parecendo um cafetão daqueles vídeoclipes que passam direto na televisão, ele nos leva para o reservado, ela cruza as pernas, eu me jogo de qualquer jeito, sinto o cano de metal cutucando minha coxa e quase congelo por dentro, ele faz menção de falar, eu não percebo, eu interrompo

- Aposto que pensaram que a gente entrou aqui para fazer uma suruba
- O quê?
- Não ligue, senhor, pode continuar
- Senhor? Sou mais jovem que você...
- É procedimento, mas de qualquer forma, não ligue para ele, acordou do lado esquerdo da cama hoje
- Entendo, e você seria
- A secretária dele, arrastada para cá vai saber pó que
- Freud explica. Agora desembucha, garoto.

Finalmente dá para ouvir alguma coisa, ouço lá fora o cara detonando outra música cheia de insinuações sexuais, ela ouve atentamente, eu ouço viajando os olhos por aí, por que proibiram de fumar nessas bostas, por que logo aqui, por que não poderia ser num bar, enquanto isso o cara detona um dramalhão poucas vezes visto mas que me faz coçar o saco, talvez se fosse um filme eu me emocionasse, não, fique tranqüilo, eu acho ela, eu dou um tapinha nas costas dele, sussurro um convite pra ela, mando acertar todos os detalhes, digo que não vai ser muito barato, mas garanto achar a piranha, eu sempre achei, vi que ele não fica muito confortável com o adjetivo, dou um cascudo discreto e amigável, espero lá fora, acendo um cigarro, ela chega pouco após

- Ele vai querer sim
- Maravilhoso, mas me pergunto porque ele quer encontrar a piranhazinha mas continua passando o rodo em metade da cidade...
- Metade da cidade?
- Pelo tanto que demorou, com certeza deve ter dado umas quatro ou cinco trepadas hoje
- E mesmo assim está desesperado
- Desesperado pra caralho, primeira vez que eu vi uma pele bronzeada ficar pálida
- Afinal, a elite anda por aí como dona do mundo até eles aparecerem, né
- Quem manda pegar dinheiro e não pagar imposto? Se fossem classe-média, não sumiriam, no máximo seriam abandonados na sarjeta com uma bala no meio do fígado
- Vamos beber?

Do que me lembro, passamos algumas horas lá antes de perder a consciência, mas aí sabe como é, numa piscadela, o mundo começou a tornar-se flash, o flash começou a tornar-se escuro, eu acho que caí no sono, acho que meu cérebro sofreu de uma elipse, mas este não era um direito somente reservado à dramaturgia, abro os olhos, ainda falta muito para o fim de semana, tenho que achar a piranha, este não é o meu quarto, eu não gosto muito de Kramer versus Kramer, ela idolatra, a Meryl Streep e o Dustin Hoffman não param de me encarar, ergo o dedo do meio para eles, VÃO SE FODER, sussurro, preciso de um café e um cigarro, torradas são para otários, ela vem com uma camisa do Vasco da Gama e de calcinha – hoje vai ter jogo, pelo jeito, ela me joga um maço de cigarros depois de pegar um, faz menção de ir para a cozinha, olha para mim

- Que merda, a gente trepou de novo?


(e continua)

domingo, 9 de maio de 2010

Dentro da Bermuda

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Naquele dia fui dormir muito atordoado. O dia havia sido uma bosta. Apenas problemas. Quem pode ter um sono tranquilo com tantas preocupações? Chegando em casa soquei a parede:

-Merda.

Me olhei no espelho do banheiro e constatei a expansiva olheira, desbravando o meu branco rosto. Espremi uma espinha nojenta, que ficou sangrando. O sangue escorreu até a minha boca e o provei. Caminhei até a geladeira para comer algo e chutei o portal da cozinha. Bebi leite, estava com gosto podre, quase vomitei no meio da cozinha. Joguei a caixa no lixo com toda a força.

Resolvi dormir para o dia de merda acabar logo. Deitei na cama mas não estava com sono, resolvi ler algum livro pra ver se o sono chegava. Não consegui me concentrar em nada. Deitei de novo, ouvindo música. Estava sem vontade. Taquei o tocador de mp3 contra a parede e me virei pro outro lado. Fiquei pensando um monte de porcaria até adormecer.

Comecei a sonhar. Estava num berço gigante. Minha mãe aparecia e eu lhe dizia que estava com fome e gostaria de mamar. Ela diz que sim e chama meu pai. Para o meu horror, meu pai levanta a blusa e exibe seus enormes seios. Ele me pega no colo e força minha cabeça em suas tetas masculinas, o que me causa um grande nojo.

Depois de beber o leite amargo de suas tetas, fomos passear. Saímos andando pela rua e meu pai exibia seus seios, provocando os homens nas ruas. Estes, por sua vez, respondiam exibindo seus falos e se masturbando loucamente; o que se tornou um tormento pois vários deles começaram a ejacular em nossa direção, nos acertando com o líquido seminal. Num dado momento a quantidade de esperma era tão grande que se assemelhava a uma chuva, ou mangueira, nos deixando melecados da cabeça aos pés.

Conseguindo nos livrar dos masturbadores, chegamos a um parque. Havia uma grande quantidade de pessoas reunidas em frente a um palanque. Quando nos avistaram, começaram a bater palmas; uma das pessoas veio até nós e nos conduziu até o tal palanque. Meu pai (depois de exibir mais uma vez seus seios e esguichar leite na plateia) começou a falar que eu era um menino muito especial, pois não possuía um pênis, e sim uma vagina. Todos riram e zombaram muito de mim, durante alguns minutos. Fiquei muito irritado, e para desmenti-lo fui até a frente do palanque para exibir minha genitália. Qual não foi minha surpresa ao constatar a presença de uma vagina, tal como havia falado meu pai. Ele disse que era assim mesmo, que não havia nada que eu pudesse fazer. As pessoas estavam rindo, cada vez mais alto, de uma maneira ensurdecedora e acabei acordando.

Estava no chão do quarto, me debatendo, segurando minhas bolas e gritando. Abaixei a bermuda do pijama para me certificar de que tudo estava ali.

-Tudo em ordem - disse aliviado.

Fui até o banheiro para lavar o rosto. Urinei. Voltei para a cama e dormi.

Comecei a sonhar que estava na casa de uma amiga. Lá estavam várias pessoas, numa espécie de festa. Num determinado momento ela começou a discursar sobre como ela gostava de fazer sexo, e como isso era algo que deveria ser feito em público, uma vez que todos faziam sexo e não havia nada a se esconder. As pessoas pareciam estar concordando e alguém sugeriu que ela fizesse sexo naquele momento, com alguém da festa. Ela concordou e me chamou.

-Tire a calça - ela me disse.

Fiquei bastante envergonhado, disse que não me sentia confortável em fazer isso. Ela ficou extremamente irritada e começou a rasgar minhas roupas, violentamente. Quando terminou de destruir minhas vestes, as pessoas nem estavam prestando mais atenção em nós dois, apesar de estarmos no meio da sala do apartamento. Pegou no meu pênis e o colocou em sua boca. Estava gostando do que ela fazia. Ela passou então a chupar com mais vigor. Achei um pouco exagerado mas continuei achando bom. A intensidade foi aumentando e começou a me machucar. Tentei fazer com que ela parasse mas não havia como, o poder de sucção era inacreditavelmente forte. Comecei a berrar de dor, mas ninguém que estava na sala parecia dar bola. Até que num determinado momento meu pênis se descolou do meu corpo e foi engolido pela minha amiga. Ela me olhou e ficou rindo. Disse que eu era sexualmente frágil, não aguentava uma simples chupada dela. Pedi que devolvesse meu pau. Ela falou que não, que iria digeri-lo e defecá-lo. Insisti, dizendo que precisava dele; me respondeu mostrando a ausencia do pênis de um homem que estava próximo de nós, o homem falou que tentava recuperar seu pênis há muitos anos, que minha amiga havia engolido e que ela na verdade não digeria nem defecava o paus que engolia, ficava os acumulando em sua barriga. Ela riu e disse que ele não devia ter me contado isso, pois me daria falsas esperanças de recuperar meu falo.

A esta altura já estava ficando vermelho de raiva e parti para cima dela. Comecei a socá-la no rosto e na barriga, e tentava enfiar meu dedo na sua garganta, para que vomitasse todos os paus que havia engolido. Continuei socando ela violentamente, aos berros, urrando de raiva, até que me dei conta de que estava no chão do meu quarto, socando o travesseiro.

Me sentindo ridículo, levantei e conferi, olhando para dentro da bermuda do pijama:

-É, mais uma vez tudo em ordem.

Mas só alguns dias depois notei a ausencia de uma das minhas bolas. Perguntei para um colega meu se isso era normal e ele respondeu que ele, realmente, havia fritado um dos meus testículos e comido no almoço.

-Ai, meus sonhos são ridículos.
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sábado, 8 de maio de 2010

Vitória Régia no Pântano

O jornal da madrugada repete notícias que pelo o dia martelaram a minha cabeça, agora quase adormecidas tem em palavras fatiadas um vazio para que entre um som e outro caiba um bocejo. A jornalista não pisca para não perder a letra que sobe. Eu não pisco para não desmoronar. O homem baleia bateu o recorde do antigo homem peixe, horas mergulhado numa banheira o medalhou da cabeça aos pés em flores, fotos nos jornais e artigos pelo dia, à noite ele morre devagar alcançando o fundo dos seus sonhos para depois se erguer no esquecimento.

Ana veio e retirou o copo de suco que pela metade pendia em minhas mãos formigantes. À noite elas aparecem em grupo, estão reunidas e buscam tirar esse meu corpo isopor do lugar, mas desistem ao não entender a leveza do peso e perdem a batalha para os dedos dela que massageia esse pedaço de pano sujo, eu ali, boca aberta e corpo apodrecido, afundando na miséria. Um dia ela disse que era preciso parar, desabotoar a camisa, desatar os cadarços e avançar pela correnteza. Chegou e tampou os meus olhos dizendo que no escuro me amaria sem culpa. Viramos a esquina num nó de garganta e dedos preocupados.

Tenho medo do pântano, mas estou lá me equilibrando em vitórias-régias com a cabeça vasculhando o fundo da garrafa. Não sei que esperança cabe num equilíbrio se o que preenche é a imensidão submersa. Mas me vejo do alto com dúvidas, recortes de jornais no bolso, pedaços de notícias de falecimentos diários. Anulado, procuro resquícios. Num quase desequilibro tento retirar de dentro da garrafa um pedaço de papel que meus dedos não alcançam. Como se nela estivesse a porta para voltar, a quebro na cabeça.

Ana me disse que o seu limite é esse. Jogou o copo na parede para que eu a escutasse. Não tinha como eu todo o marasmo de um passado e não conseguia se apoiar em mais nada, como eu me apoiava e seguia como um homem com uma grande fé. Amor corrói, não é corte estancado, é britadeira quebrando o asfalto. Seu suspiro encostado na parede meio atônita com cacos nos dedos me faz desdenhar e fechar novamente já com o pedaço de papel dentro da garrafa eu leio.

A noite é ferida
Falecer da esperança
Sem fé, sem vitórias,
Sofrimento.
O fogo me queima
Sem sinais, sem rastros,
Apenas decadência.

A carne está pútrida queimando no deserto
Pesar silencioso que me corrói
E a morte:
Vitória-régia no pântano,
Sussurros profanos.

Desejo de ti
Lágrimas de anjos caídos,
Benevolências postas na poeira,
Desconcerto.

Desça até a lama
Que nos cobre
De ti apenas beleza
Fria palidez
Requintar de luxúria
O tilintar da dor
Solidão...

Termino-o sussurrando num entressonho já com ela apontando um dos cacos para mim. Pergunto se é para eu mastigá-los. Ela ri dizendo que de poesia não entendo e que poeta nunca fui. Mesmo que tenha lhe dado uma rosa por dia, embebidas em garrafas de Gim, não lhe dei como sustentar os seus olhos em sonhos. Agora se dizia forte o suficiente para com aquele caco perfurar ainda mais esses meus olhos já tão escuros. E cava com o vidro a minha retina desfocando o seu rosto em lágrimas cristalinas.

- Não, amor, não foi só mais um sonho. Trisca em mim e vai ver que ainda enxerga.




Para entender: Conto escrito nessa semana, poema escrito por mim no ano de 2006.